terça-feira, 7 de setembro de 2010
pássaro
penso em sangue e digo, a alta voz, "sangue não". as pessoas à minha volta, no restaurante, olham-me de lado. fingem regressar aos seus bifes, aos pratos de bacalhau à brás, e eu suo, de olhos muito abertos. penso em sangue e oiço as conversas dos outros. falam das contas, das vidas dos filhos, dos quilos ganhos no verão. o restaurante está quase vazio e as pessoas parecem recear-me. penso em sangue, pago a conta, saio para a rua. a escola ainda vazia de crianças. acendo um cigarro, olho a brisa no topo das árvores. um pássaro doente parece querer tombar, entregar-se à morte mais que certa. paro um segundo, trago o fumo, penso em sangue. "sangue", digo em voz alta. mas o vírus não escorre. mata por dentro. ameaça. o pássaro, o pássaro que ficou para trás.