sexta-feira, 29 de maio de 2009

se existem intervalos na programação deste blogue é porque eu também mereço. aceitam-se queixas no livro de reclamações. não se prometem respostas.

poder

é, no entanto, típico dos comentadores fracos andar no limbo entre o tentar gozar o outro ou criticá-lo com uma pose superior. o comentador fraco não sabe bem do que fala, tenta apenas manter a sua posição. pior, sente que a sua posição está em perigo quando aparecem estas figuras, difíceis de definir. quando a qualidade se alia a uma certeza de que se vai vencer. não há nada pior para os fracos. e enquanto o outro vai subindo, o comentador fraco goza, agora, porque é o tempo em que ainda pode.

figura

enquanto a michelle se esgana no court, o comentador francês vai fazendo piadas sobre os seus gritos, os seus incentivos, a sua forma agressiva de atacar a bola. vai também tentando dizer michelle à portuguesa, num claro tom de gozo. depois de uma dupla falta, michelle parte a raquete. o comentador torna-se, logo, sério, e faz uma crítica professoral à atitude da jovem portuguesa. talvez não se tenha apercebido que quem está a fazer má figura é ele mesmo.

herói

os heróis dos países pequenos não podem ser figuras simpáticas. não seriam heróis. seriam santos, mártires, candidatos a lugares de enfeite público, para serem heróis, têm que denunciar uma postura ligeiramente filha-da-puta. ou então os espectadores não o iriam levar a sério.

quinta-feira, 28 de maio de 2009

guia

a minha vida é um espelho ao contrário do guia michellin. quando nasci, tinha três estrelas, as pessoas faziam viagens só para me ver. ao crescer, muita gente ainda acreditava que a sua viagem merecia um desvio para me prestar atenção, duas estrelas. ao chegar à idade adulta, reduziram-me para uma estrela, eu era já apenas alguém recomendável. depois dos trinta anos, já só me resta aceitar que deixarei de ser, sequer, mencionado.

caminho

diz o mesmo quique que quando começou a trabalhar nem sabia que existiam os guia michelin, mas que, de alguma forma, sempre trabalhou para ganhar o respeito e um lugar nesse guia. demorou doze anos a chegar à primeira estrela, mas não se preocupou, porque o seu objectivo era atingir o número de máximo de estrelas, três. passados quatro anos, atingiu a segunda estrela, e aquilo que o anima é estar cada vez mais perto das três. um bom caminho é aquele que nunca acaba.

sentidos

diz quique dacosta, cozinheiro espanhol, que nos esquecemos da importância da audição na degustação culinária. no seu restaurante não há música, continua, mas é inevitável ouvir as conversas, os risos de quem está à nossa volta. daí a importância das texturas, para que nos sintamos próximos daquilo que estamos a provar. um pouco como em tudo o resto. é preciso sentir (com todos os sentidos) para gostar.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

cidadão

há também a questão do "cidadão". "cidadão católico", até. faz-nos pensar num respeitável cidadão, de fato e gravata, a sair da missa de domingo, e acabar apontado a dedo, perseguido e morto por espancamento por todos os "adeptos" do protestante glasgow rangers. toda a notícia está impregnada de um tom insuportável. como é possível matar um "cidadão"? como é possível dar esta notícia num pequeno canto da última página? como é possível, meus amigos, como é possível continuar, depois da nossa mente se tingir de dúvidas e se sentir totalmente incapacitada para responder às questões que se põem, repetidas, sem parar?

adeptos

ao ler "adeptos do glasgow rangers" sinto a inevitável sensação de pensar que todos os adeptos se juntaram para festejar o título com este ritual bárbaro. mas glasgow é na escócia. torna-se confuso. tanto mais que, se fossem os "adeptos do abu dahbi united" já não nos espantaria tanto. seria longe. inaceitável mas compreensível. nós, seres racionais, não prestamos.

a micro

vinha num canto da última página de um jornal diário. dizia assim: "adeptos do glasgow rangers festejaram domingo a conquista do título com o espancamento até à morte de um cidadão católico". será que ainda há espaço para a criação, depois de uma micronarrativa assim?

terça-feira, 26 de maio de 2009

resumo

eu não quero ser arrancado à força do meu lugar, embora às vezes faça muita força para sair daqui. não quero ser levado para um país onde ninguém percebe o que digo, embora sinta que estou a falar sozinho. não quero ser injustiçado, não sei lutar pela justiça. estou tão vunerável como todos os outros. aqui.

televisão

entretanto, a televisão mostra imagens que não disfarçam o gesto violento da mãe verdadeira. mãe verdadeira. esse é um conceito que já discuti algures. melhor não irmos por aí.

revista

uma revista transforma uma decisão judicial em "arrancar à força". nunca pensei que a justiça pudesse "arrancar à força". pode decidir mal, pode errar, pode parecer imensamente injusta. mas "arrancar à força", parece-me mais coisa de bandido do que de justiceiro.

segunda-feira, 25 de maio de 2009

argumento

a equipa do santa clara, que esteve praticamente a época inteira nos lugares de subida, não aguentou a pressão de ter de ganhar no último jogo do campeonato, e assim ficou afastada da subida à primeira liga. manuel fernandes, treinador do união de leiria, fez uma rotura de ligamentos, ao festejar o sucesso da sua equipa, em aveiro. o treinador do santa clara diz, no final do jogo, que foi a luta do trabalho contra o dinheiro. pelos vistos ganhou o dinheiro. o jornalista da antena um diz que não sabe do que é que o treinador estava a falar. faz-se de parvo. wagnão, um dos jogadores do união de leiria, diz que conseguiram o que ninguém acreditava que conseguissem. parece que há um sabor especial no facto de se conseguir algo em que ninguém acredita. prometeram, os jogadores, rapar o cabelo, caso subissem de divisão, e raparam o cabelo. ao treinador. o da rotura de ligamentos. sim. digam lá que isto não é um excelente argumento para um filme de domingo à tarde.

impostos

a antena um esteve em directo, este domingo, de quatro estádios da liga de honra e de dois da segunda divisão nacional. eu fico satisfeito quando vejo os meus impostos a serem investidos no meu prazer.

liga

ela diz que só eu para demonstrar assim tanto interesse em ouvir os relatos em directo da última jornada da liga de honra.

sábado, 23 de maio de 2009

urdir

hoje de manhã, quando liguei a rádio, passavam uma música do duo ouro negro. às tantas, no meio da melodia, surge esta frase: "garota, toma cuidado, não vás cair na própria teia que andas a urdir". que felicidade perceber português, acordar cedo ao sábado de manhã e ter a oportunidade de ouvir uma frase assim. boa disposição para o resto do dia. é certinho.

sinalefa

vem no mexia. devia haver uma entrada no dicionário ou uma sinalefa em várias palavras que significasse isto mesmo, que certa ideia, vem no mexia.

barulho

queria armar-se em comentador de actualidades. mas não acertava uma. então partia para o insulto. pelo menos, fazia barulho. era mais um daqueles "idiotas do costume" da poesia portuguesa. vem no mexia.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

praceta

no café do bairro, os homens juntavam-se depois de jantar, para ver a telenovela. comentavam cada cena, como se olhassem, pela montra, tudo o que acontecia em cada um dos prédios daquela praceta.

esquizofrénica

dizia amá-lo profundamente, só pensar nele o tempo todo. um dia, o marido dela descobriu. ela maltratou-o, que queria acabar com um casamento feliz, destruir uma família. ele afastou-se. alguns meses depois, ela voltou. dizia amá-lo profundamente, só pensar nele o tempo todo. ele cortou os pulsos.

restaurante

espiava-o todos os dias no restaurante. anotava, num pequeno caderno verde, os pratos que ele escolhia, os que rejeitava. às vezes, voltava atrás nas anotações, riscando, emendando, quando parecia que ele não gostava de carapaus lá vinha o dia em que os comia. espiava-o todos os dias. contava assim mantê-lo satisfeito no cativeiro, depois de o raptar.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

la valleta

a companhia aérea ofereceu-nos 15o euros para fazer escala em la valleta (ao contrário do planeado). aceitámos (quase) todos. mas eram ainda seis da manhã, os serviços do aeroporto estavam quase todos fechados, e nenhum de nós tinha libras maltesas (o que foi preciso negociar para comprar dois postais com euros!). das enormes vidraças do pequeno aeroporto, víamos os outros turistas a partir em autocarros, rumo à cidade, que parecia muito colorida, com o nascer do sol. estávamos cansados e só queríamos trocar moedas para telefonar para lisboa, a avisar da troca dos horários. isso e pedir peixe cozido para o almoço. mais nada.

barcelona

nem dali, nem miró, nem as ramblas: barcelona para mim é um aeroporto onde, na sala de espera, há uma mulher de bigode.

franqueforte

ficámos escandalizados por nos cobrarem três euros por um copo de água com gás. nenhuma revista prestava. quase que perdíamos o avião.

quarta-feira, 20 de maio de 2009

paris III

ainda estou à procura da minha literatura de viagens. da forma de contar as coisas como eu gostaria que fossem sempre contadas. por mim ou por outros, tanto faz. ainda estou à procura de como descrever uma ida e volta. de comboio ou avião. não consigo explicar nada do que vi. apenas que percorri ruas e jardins, me sentei em praças cheias de gente, almocei num restaurante que talvez nunca tivesse visto um turista. as pessoas misturavam-se muito umas com as outras. eu era um ser ausente, em busca de mim. tinha, já disse, dezoito anos. foi há quantos anos? não sei. agora deixei de fazer essas coisas, aviões. ainda estou à procura. à procura.

paris II

um grupo de japoneses. um árabe desempregado. montes e montes de livros à venda. expostos. os olhos perdidos. a mão a apertar um caderno de capa preta. tinha dezoito anos. não tinha solução.

paris I

foi à beira do sena. estava um calor demoníaco. cheirava a rio parado. eu escrevi um poema mau. acendi um cigarro. sorri. era agosto. o descontentamento.

el(o) perdido

também já foi há muito tempo, "el perdido" vagueava pela cidade, de noite, em busca de regeneração. só indo ao fundo mais fundo da viela te podes encontrar brilhante na manhã seguinte. tudo o resto são elos perdidos. percebeste?

menor

não me interessa nada da tua história, o que fizeste antes, depois, mais assim,mais assado. não me interessa o teu antigo namorado, o teu antigo marido, como ele te tratava mal, como ele te ignorava, tanto faz. não me interessa que os homens na rua te digam coisas quando passas. não me interessa. a minha atenção não se capta por aí. eu estou nos pequenos pormenores fixado. quieto. quase invisível. e só te quero a ti.

lolita

pior que a gripe mexicana, o vírus lolita sobrevive. a menina quer ser vista, a menina quer saber tudo, a menina quer ser mimada, ser tocada, a menina quer virar costas, fazer com que os homens a sigam. e mesmo que alguns o façam, o vírus lolita não percebe que pode ser também manipulado por quem o reconhece, quem o leva para laboratório e lhe identifica o dna. o vírus lolita sobrevive. ao homem, toda a repetição será condenada.

terça-feira, 19 de maio de 2009

dizer

acho que estava um pouco perdido. acho que era isso. não o sei dizer de maneira diferente.

museu

ela perguntou-me o que fazer com o cão da vizinha dela. eu não tinha respostas. não tinha, sequer, perguntas. o cão acabou por calar-se, ou desaparecer. não sei. é-me basicamente igual. já quase não vou a casa dela. faz-me confusão aquelas fotografias todas nas paredes, pelas prateleiras. o tipo entra ali como num museu. e não há guia para nos acompanhar até à saída.

cão

perante isso eu páro. não vale a pena continuar a castigar assim o corpo, para algo que não adianta. eu páro e digo alto, vai ficar por aqui. como um cão morto, à beira da estrada, a apodrecer.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

quatro

os meus olhos fecham-se devagar. devagar, como as nuvens passam sobre a minha cabeça. cabeça, partida pelos ventos fortes desta noite. noite, os meus olhos fechados.

terço

acho que as senhoras que fazem a limpeza do meu prédio se tornaram invisíveis. mas as escadas, esta manhã, estavam lavadas.

segunda

outra segunda-feira, outro silêncio, levantar da cama com o despertador, perseguir os passos perdidos pela casa de banho, tomar um duche rápido, comer qualquer coisa, fechar a porta de casa, enfrentar, sozinho, o corredor vazio até à rua, outra segunda-feira.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

processo

quando vamos pela estrada, nunca pensamos no seu processo de construção. mas quando acompanhamos o processo, o mais certo, é nunca esquecermos os erros que ele envolve.

anos

o outro chegou depois. olhou a televisão e durante uns quinze minutos repetiu impropérios contra a sua própria equipa, que antes dele chegar tinha estado sempre a ganhar, mas que agora via-se surpreendida. ele não se importava com a história: o problema é que agora, naquele momento, a equipa perdia. saiu ainda do jogo acabar, a resmungar pela rua fora. a equipa dele ganhou.

homens

é preciso que cada lado dê o seu passo. pedi para me sentar na mesa deles, a ver a bola na televisão. e pouco depois, estava dentro da conversa.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

fuga

fiquei a pensar no sorriso dele. era, obviamente, um sorriso que escondia uma história inteira. ela não sabia, não o podia saber, era demasiado jovem para isso. o sorriso dele escondia uma série de cicatrizes, uma série de nódoas negras, muita bebedeira para esquecer, muitas outras miúdas como aquela a dizerem coisas parecidas, mas de costas voltadas. fiquei a pensar no sorriso dele. era, obviamente, um sorriso cínico. um sorriso que sabia que nada daquilo era possível, porque um homem é um homem e é sempre um homem, e os sonhos adolescentes, quando crescem, apenas se esfumam. mais nada.

acontecimento

e então ela disse-lhe assim: "prefiro falar com homens mais velhos, têm conversas mais complexas". e então ele sorriu e pediu-lhe um abraço.

adolescente

"o problema é que estamos naquela fase adolescente de sermos já demasiado grandes para sermos apaparicados por toda a gente, parabenizados pelos nossos frágeis desenvolvimentos, mas somos ainda demasiado pequenos para que nos aceitem como alguém capaz de fazer uma coisa com cabeça, tronco e membros, passível de ser recebida por toda a gente. o problema, jorge, é que receio que nunca cheguemos a sair daqui."

terça-feira, 12 de maio de 2009

dormir

depois pensei que também eu poderia parecer ridículo. as pessoas têm muito medo disso. tal como têm medo de serem trocadas, confundidas, esquecidas, ignoradas. eu poderia parecer ridículo, ao dizer certas coisas, eventualmente passíveis de serem usadas contra mim em futuras discussões. e depois lembrei-me que a teoria da exposição é uma forte defesa. o que quer que queiram dizer de mim, por muito mau que seja, eu já disse antes. acho que esta noite vou dormir descansado.

variação

aliás, o estado civil, como toda a prosa do pedro mexia, tem o poder de atentar contra o equilíbrio da minha mente. assim, cada vez que entro no processo (sim, entro no processo) de ler pedro mexia, a minha mente entra numa deriva, como um barco que tivesse de aprender novas correntes. talvez isso me faça querer um pouco de tudo o que não tenho. sim, como o variações.

cancelamento

o pedro mexia, no livro estado civil, tem um texto sobre o cancelamento, dizendo que sempre que há um cancelamento de um evento literário é uma felicidade para toda a gente. eu estou à espera que me cancelem.

tristeza III

viveu durante muitos anos à espera de um pai. nesse tempo, foi desistindo de esperar o herói, o amigo, o companheiro, queria apenas um pai. alguém que pudesse ocupar aquele espaço que tinha ficado vazio no imaginário da infância. até que um dia, um homem bateu à sua porta. ele não o reconheceu. a maior parte das vezes, somos mesmo assim: temos muita dificuldade em reconhecer os nossos buracos.

tristeza II

no início, só existiam heróis plenos de qualidades. depois começaram a surgir os heróis que, para além das qualidades, tinham alguns defeitos, que nós aprendíamos a desculpabilizar. hoje, o nosso universo de heróis comporta também aqueles que apenas têm defeitos. e talvez se esforcem, em alguns momentos, para esconder uma réstia de qualidade.

tristeza

de manhã, na rádio, oiço um morador da belavista a dizer que "o maior problema não é a insegurança, é a tristeza". parece-me um certeiro epitáfio para este meu país.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

memória

talvez por isso agora sinta tanta vontade de revelar segredos. mas, na verdade, a minha memória apagou-o, não conseguindo eu distinguir os segredos dos recados, os avisos dos comentários. os mortos não têm memória. é esse o maior medo dos vivos, mas a grande conquista daqueles que atravessam o rio para o lado de lá.

morte

ela disse-me que se eu revelasse o segredo dela seria um homem morto. mas a verdade é que eu já sou um homem morto há muito tempo.

parede

conversava com o joão coração sobre os emparedados de évora, dizendo-me ele que algumas pessoas se voluntariavam para o serem, em auto-reconhecimento dos seus pecados. teria que ser um pecado bem grave, penso eu. ninguém sobrevive a um emparedamento.

sábado, 9 de maio de 2009

sexta-feira, 8 de maio de 2009

teoria

é uma teoria duvidosa: não é preciso ler um livro para se ter lido um livro. um livro que nos acompanhe, na nossa mesa, nas conversas, nas leituras de outros livros, acaba por lido, mesmo que não o façamos. é uma teoria duvidosa. tenho dúvidas de que não seja a teoria certa.

mensagem

tinha o hábito de apagar as mensagens mal as lia. durante a noite, apagava as mensagens mesmo antes de as ler.

começo

lá no campo, não se ouvia nada. depois, uma tarde, chegou um rumor mudo, que me fez virar a cabeça muito depressa. todo o meu corpo em tensão, sem perceber que mensagem me enviavam. foi quando começou o medo.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

ascensão e queda

não posso, no entanto, dizer que essas minhas dedicações me retiravam capacidades sociais. pelo contrário. jogar championship manager era uma ocupação aceitável (muito mais do que andar a incendiar caixotes do lixo) para a maioria das raparigas que eu conhecia, e todas elas se maravilhavam com os meus poemas, que eu copiava inocentemente (pois) na contra-capa dos meus cadernos. pois digamos que, pelo caminho dos excluídos, eu cheguei ao centro do sucesso social da adolescência. e foi nesse momento que se iniciou o descalabro.

uma certa felicidade

devia ter uns 15 anos quando comecei a jogar championship manager. a passar dias a jogar championship manager. a saber as características virtuais de milhares de jogadores que só conhecia de nome, visto que o jogo não tinha, na altura, e durante muito tempo, qualquer fotografia. devia ter uns 15 anos, também, quando a leitura de uns poemas de camões me fez descobrir, de uma forma arrebatadora, a poesia. era isso a minha vida. alguns rapazes fumavam cigarros e discutiam os olhares das raparigas. eu escrevia poesia e jogava championship manager. era feliz.

anuário

teria sido um adolescente mais feliz se me tivessem oferecido algo de semelhante ao anuário do futebol 2007/08 quando eu tinha 12 anos. largaria os campeonatos inventados de hóquei em patins em cima de uma placa de contraplacado para organizar uma verdadeira liga mundial, cheia de equipas de todos os lados. isso, aos 12 anos. porque mais tarde, seria já tarde demais.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

liga

um pontapé falhado, um empurrão no lugar errado, uma distracção, quantas coisas não podem contar para uma vitória, para uma derrota, para o virar de um jogo mesmo quando já toda a gente espera o seu fim. só quem nunca deu atenção à literatura pode julgar a realidade surpreendente.

fatal

sentados no banco, dois jogadores sorriam de boca aberta, muito divertidos, mesmo estando a perder. o treinador ajeitava a gravata, abraçava o adversário, contava-lhe uma piada. tanta distracção só podia mesmo ser táctica.

intelectual

o homem lia joyce e, mesmo assim, esperava que fosse o dani alves a resolver-lhe o jogo.

terça-feira, 5 de maio de 2009

objecto

para a primeira página do seu enésimo livro, o autor queria um espaço em branco. um espaço que cegasse o leitor, de modo a que ele tivesse que aprender, de novo, a comportar-se perante as páginas de um objecto desconhecido.

página

o pai, quantas vezes é preciso um tipo curvar-se, pôr a mão abaixo do pescoço e dizer, o pai, para conseguir dizer, o pai. uma pessoa vai pela vida e está sempre a dar de caras com quem estava lá, quase sozinho, no início. por isso diz o teórico da literatura: faz a primeira página atraente, conquistadora, mas não a faças tão forte que seja impossível esquece-la durante todo o resto do livro.

golo

sentado num cadeirão ele falava do tempo em que ia ao estádio das antas, com um pequeno cachecol em volta do pescoço, ver os golos do gomes, enquanto o pai passava o tempo todo a discutir política com o senhor ramalho, um homem já muito velho, com lugar cativo ao lado dos deles. sentado num cadeirão ele falava de um tempo passado e não conseguia esconder a mágoa nebulosa nos olhos. o pai nunca o abraçara depois de um golo do gomes.

segunda-feira, 4 de maio de 2009

uma invisibilidade

ah, o alberto, o alberto é um grande homem, mas também tem algo de mito. numa das ruas mais mal frequentadas dizia-me, seguro do seu talento, que a certas tentações há-que ceder. eu sorri-lhe, incapaz de adiantar algo da minha parca existência à sua vasta filosofia. e enquanto nós mergulhavamos no sonho, outros, de tanto olharem para o invisível, não percebiam como tinham os pés enterrados na merda que invade o porto de punta umbria.

uma frase

dizia ainda alberto pérez (ele disse tanta coisa importante que poderia ficar aqui o resto do tempo todo da minha vida a discorrer sobre isso), que quem dança espera que o trovador aquiete as suas paixões para que possa atiçar as deles. e no entanto a sala estava escura e calada (e dadas as horas, também com fome). mas no escuro, sem dizer palavra, todos nós sabíamos que o queríamos que acontecesse, era isso mesmo: um cantor que se desfaça para que nós mesmos possamos amar.

um homem

em punta umbria conheci alberto pérez, que só depois vim a saber que é um músico conhecido em espanha por ter tido um grupo de música e palavra com, entre outros, joaquín sabina. alberto pérez ficou marcado por um dos poemas que li no bar reflejos, tanto que, no dia seguinte, indo eu pelo corredor aparentemente vazio do hotel ayamontino, ouvi ao fundo "ah, as meninas, os biquínis" com um suave sotaque castelhano. olhei para trás e lá estava alberto, pronto para descer as escadas. alberto pérez é também o autor de um roque enrole tão volátil que não precisa de nenhum instrumento. e foi com isso mesmo que nos encantou.