quarta-feira, 29 de julho de 2009

liberdade

não existem regras que se apliquem genéricamente aos livros, nem à moral, nem ao gosto, nem à estética. cada caso é um caso. quando se vive numa sociedade em que este princípio é aplicado, poderá dizer-se que se vive numa sociedade livre. todas as outras, ou estão a caminho de lá chegar ou partiram de lá, há muito ou pouco tempo.

regras

podia discorrer sobre a intenção literária com que se escreve ou não. não vale a pena. um livro é bom quando nos diverte. é bom quando acrescenta algo ao que já lemos anteriormente. é bom quando se adequa ao momento. vão dizer, sim, mas isso dá para muita coisa. ora, era mesmo aí que eu queria chegar.

autobiografia e ficção

se me dissessem que o determinado livro era sobre a vida do seu autor, eu não pegaria nele. no entanto, estou a ler militarmusik, de vladimir kaminer, um livro que mais não é que uma autobiografia ficcionada e cheia de ironia. qual é a diferença?

terça-feira, 28 de julho de 2009

centro

ao caminhar para o centro, percebes que o centro te expele para os subúrbios do acontecimento. oferecem-te um autocarro, um metropolitano, bilhetes de ida e volta. então, voltas atrás, crias o teu próprio centro, cheio de caminhos de terra, de abraços. e depois, percebes, assim és feliz. és feliz.

baía dos tigres

na baía dos tigres, pedro rosa mendes não viaja, não atravessa áfrica, não faz literatura. o que ele faz é cartografar o ser humano. acontece que, neste caso, o ser humano é o que sobrou de um portugal que não existe mais, conjugado com (sobretudo) um novo país que demorou muito tempo a existir (angola). acontece que, sendo assim, acabo por me identificar profundamente com a busca de rosa mendes (mesmo que ele, mais que algum tipo de identificação, procure, talvez, fugir do seu mundo, fugir de si, tal como parece adivinhar um militar português que lhe diz que um dia ele ainda se vai matar). sei que isto é confuso. é confuso para mim. ler um livro de mais de quatrocentas páginas (na versão de bolso), ficar agarrado a cada uma delas, sorvê-las a grande velocidade e, no fim, não saber o que dizer. luto contra o meu silêncio, tento tirar alguma coisa, mas não sai. sim, estou certo que precisava de ler este livro (uma outra visão, portuguesa, pós-guerra civil, do território) para ter mais informação, para saborear-lhe a poesia, para me encantar com a descoberta. mas temo que tudo isso se tenha refugiado muito fundo em mim. no lugar que eu não sei dizer.

inventar

sabe quem me lê que não sou grande utilizador do ponto de exclamação. mas condená-lo à inexistência? não tenho paciência para tanta preocupação com as proibições. deixem-se de tentar calar (os pontos, as palavras, os acordos, os desacordos!). inventem.

sábado, 25 de julho de 2009

p.s., i don't love you

portugal tem um ministro da cultura que diz "a gente reuniu esforços", leva mais de dez dossiês para uma entrevista na televisão, faz citações de discursos anteriores e mostra quadrinhos com os cumprimentos orçamentais. nem sei o que dizer disto.

festa

foi bonita a festa, pá. andaste a passear, gastaste dinheiro em copos, pagaste a renda da casa, algumas prestações do empréstimo ao banco. de resto, não vale a pena contar com o ovo no cu da galinha. um gajo esquece-se sempre que, mais que ovos, sai merda. uma merda, pá. uma merda.

anonimato

quando um talento desponta para o anonimato, homens com cabeça de cão aplaudem, enquanto outros ajeitam as gravatas e dão vivas ao fim da monarquia. tudo isto era um sonho. foste longe e regressaste, dizia o manuel joão vieira, não sei porque tu voltaste. ninguém sabe porque voltaste.

menção horrorosa

como um lutador de boxe na decadência, saio de ringue com uma menção horrorosa, diploma infame entregue em dia de derrota.

sexta-feira, 24 de julho de 2009

tour de force 4

colocar a hipótese de se estar errado mesmo quando se está certo.

tour de force 3

responder em modo simpático a alguém que, já depois da meia-noite, bate à porta de uma loja que está fechada e pergunta se ainda está aberta.

tour de force 2

acenar com a cabeça afirmativamente quando alguém, a meio de uma conversa, nos diz, "sim, mas eu sou escritora".

tour de force 1

o manuel a. domingos, ao serão, em frente à televisão, enquanto um grupo de maganos de manteigas passa pela rua a berrar hinos à super bock.

quinta-feira, 23 de julho de 2009

escada

sven-goran eriksson anuncia que dirigir o notts county, da quarta divisão inglesa, é o maior desafio da sua carreira. algo só comparável com a candidatura da islândia à união europeia em julho de 2009. quando estamos por baixo, um pequeno degrau já faz uma escada.

o vírus, assim, no geral

o vírus, assim, no geral, é uma coisa que não se compreende. ainda se o nosso computador fosse do estado ou tivesse informação secreta, de alguma maneira se compreenderia. só para chatear, não faz sentido. dá vontade de dizer aos hackers, "ide mas é trabalhar, a chatear o site do millennium ou da sonae, irra". isso. dá mesmo vontade.

o mau vírus

o mau vírus é aquele que de uma caixa de correio desconhecida te anuncia fotos do senhor presidente cavaco silva a organizar uma orgia na sua casa de campo. demasiado longe da realidade. pior até que, quando solteiro, recebes emails a anunciar a traição do teu mais-que-tudo. pode ser um bom desejo, mas é um mau vírus.

o bom vírus

o bom vírus é aquele que pega no email de um teu conhecido e lhe dá um nome inquestionável como "bom dia", "música", "olá". tu abres o email, interessas-te pelo anexo e quando dás por ti, tens o computador a caminho da loja de informática. nunca falha.

quarta-feira, 22 de julho de 2009

tour de france 3

ao contrário do que se insinua, a força ainda é o que importa.

tour de france 4

pode parecer, mas não estou a falar de ciclismo.

tour de france 2

ao contrário do que se pensa, a camisola verde pode ser conquistada numa etapa de montanha.

tour de france 1

ao contrário do que dizem, não se ganha trabalhando em equipa.

terça-feira, 21 de julho de 2009

nada mais

as histórias não fazem sentido com outras histórias. os livros não prestam. na praia está vento. aquilo que se escreve é aquilo que se escreve. raramente é aquilo que é lido. entre uma e outra coisa, livros que não prestam. na praia, o vento. as histórias são apenas histórias. eu quero ser apenas aquilo que sou. nada mais.

cair

no meio das obras municipais, o homem caiu dentro de um pequeno buraco no meio de uma rua. o buraco não tinha mais de vinte centimetros, um raio apenas o suficiente para que os dois pés do homem ali coubessem. o homem caiu dentro de um pequeno buraco, no meio de uma rua onde não passava ninguém. por não conseguir sair, passou o resto da vida vinte centimetros abaixo do nível do chão.

tempo

aprender a contar o tempo com a cabeça - cada pulsar no crânio é um momento que passa. esse devia ser o teu objectivo.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

adulto

do outro lado da linha ninguém responde. dias e dias atravessados como um deserto. nos bolsos, apenas os recados que foste deixando a ti mesmo, todas as noites, todas as manhãs. os pés cansados, os olhos fracos. não sabes como dizer, nem como apontar. apenas segues o teu caminho. como só um adulto.

dormir

agora tenta dizer os nomes das cidades impensáveis. daquelas que estão tão longe que a tua língua não está geneticamente preparada para soletrares aquele encontro de sílabas. agora tenta conquistar o mundo, mas sem os dedos, sem os mapas. dá o peito às balas. canta uma canção, muito baixinho, na hora de dormir.

criança

deslizava o dedo pequeno pelo mapa, como quem ganha cidades com um gesto leve. como quem invade territórios. desfaz muralhas. tudo no mais inquietante silêncio. como só uma criança.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

recuar

mas silves é também, ou ainda, uma fiel imagem de uma cidade do início do século vinte, uma fiel imagem de uma cidade mediterrânica. faltam os homens com um ar mafioso, o chapéu branco. mas o cenário está todo lá, nos edifícios republicanos, nas ruas estreitas, na conjugação dos palácios, palacetes e alguma ruína. silves está cheia de poesia. mesmo com o calor que nos queima a testa.

fotografia

as palavras e os desenhos islâmicos abundam. alguma música a reclamar a herança. o que sobrou do palácio das varandas. a minha camisa suada. os ingleses em trajes de verão.

pedra

o ar quente de silves queima-nos a pele da face, enquanto atravessamos a ponte romana. olho para os pilares da ponte, tentando descobrir-lhes a origem, a primeira pedra, o sinal incontestável de uma barcaça que ali roçou há milhares de anos atrás.

quarta-feira, 15 de julho de 2009

rima

saudades eternas são memória. eterna saudade, um monumento. para a falta de jeito, há remédio. para a estupidez, apenas, lamento.

eterna saudade

ao receber as flores ficou, primeiro, surpreendida, depois, ao ler o cartão, chocada. tinha-o deixado há mais de seis meses. e agora ele, de novo, por intermédio de um ramo de flores com um cartão que dizia "eterna saudade".

ramo de flores

gostava ainda muito muito dela. apesar de tudo. apesar de tudo o que ela lhe fizera. não tinha, de facto, muito jeito para as coisas do amor. para as coisas de dizer gosto de ti, quero-te muito, tenho saudades. mas nos filmes, os melhores safam-se sempre com um ramo de flores. um simples ramo de flores. todos os problemas do mundo tivessem uma solução fácil assim.

domingo, 12 de julho de 2009

escrever ao domingo

tantos livros para ler e eu a escrever.

domingo

o domingo é um dia assim. acorda-se com o sabor da noite. voltamos à cama mesmo sabendo que está sol. rebolamos pelo colchão, adormecemos, perdemos noção das horas. depois saímos, vamos ao mercado, olhamos o mar, tomamos um café. limpamos as poucas coisas que existem para limpar, na casa. e no fim da tarefa, com um leve alívio contente pelo esforço físico dispendido, bebe-se água e a cabeça volta a funcionar. a escrever. o domingo é um dia assim.

escrever

é domingo à tarde, verão, e o homem escreve. o homem não pára nunca de escrever. no computador, com canetas, na cabeça.

quinta-feira, 9 de julho de 2009

mundo

a questão é: não se pode viver no mundo, não se pode fugir do mundo. sejas quem fores, não terás esse poder. nem todo o fingimento da história te valerá. por dentro, enquanto houver vida, haverá dor, uma voz a dor iniciada, que sempre se inicia mais cedo do que tarde. por dentro, ficam as canções, as imagens, o amor que corrói. não se pode viver no mundo, não se pode fugir do mundo. agarra-te bem às palavras.

caneta

não há, no entanto, jesus que nos valha, perante a tentativa de explicarmos tudo. não se pode transformar magia em confessionário, digo eu, que percebo pouco disto. mas, para bem das grandes famílias editoriais, tem mesmo que haver quem entre na dança. ou não, como fez maiakovski ao dizer: "aqui têm, camaradas, a minha caneta/ e escrevam vocês, se assim quiserem".

iliteracia

olhar para jesusalém e ver jerusalém. freud explica.

quarta-feira, 8 de julho de 2009

candidato

uma hora numa sala de espera de um centro hospitalar para ter uma consulta marcada há seis meses atrás. quem nunca passou por isto, não me venha com teorias sobre serviços públicos, ideias para o país, histórias de crise, o que fôr. quem nunca passou por isto, não é um bom candidato a nada. acreditem.

cornos

se me chamassem "carinha laroca" numa revista literária, eu era bem capaz de dar um tiro nos cornos.

repetição

vasco pulido valente atirou-se ao ar porque, na sua juventude, durante um almoço como josé régio, este lhe disse que "todo o universo está em portalegre". sim, régio tinha razão. mas nós gostamos de perder tempo com as repetições.

terça-feira, 7 de julho de 2009

spray

talvez por isso seja melhor, tantas vezes, "pôr a viola no saco e ir tocar para outra freguesia". esperando que, não nos seguindo crianças ou ratos, pelo menos não sejamos incomodados por esses mata-moscas que não fazem mais efeito que o barulho do spray, seja no jornal nacional, seja nas colunas de opinião.

qualquer

tem razão luís osório quando lembra que a nossa elite é provinciana. é provinciana quando olha para tudo o que se faz e que existe como algo não tocado pelas graças da sua qualidade aristocrática. e assim segue, ignorando o que há de bom, na esperança de um dia sermos todos, sei lá, uma outra coisa qualquer.

largar

tem razão joão gobern quando lembra aos potenciais candidatos a emigrantes de luxo que o problema não é eles quererem sair. o problema é que, ainda assim, temos muito mais gente que querendo, nunca poderá largar o país.

segunda-feira, 6 de julho de 2009

patins

talvez saias daqui a pensar comprar uns patins. a pensar vestir mais vezes esta camisa que te dá um ar de década passada. talvez possas dizer coisas incompreensíveis para os outros, que se irão rir da tua loucura, da tua forma de ser fora do mundo. talvez uma fotografia possa explicar o que centenas de poemas não te permitem transmitir. talvez tu possas perceber que o novo livro de poemas do josé agostinho baptista seja uma aparente narrativa. talvez saibas o horário certo dos barcos para outro lado qualquer. talvez saias daqui a pensar comprar uns patins.

arte

o dedo certeiro na oclusão da objectiva, as caras paradas no écrã. dir-se-ia, inventar o mundo. re-inventar o mundo. fazer renascer, na imagem, a banalidade de todos os dias e com isso torná-la especial, arte. dir-se-ia infundada, esta esperança de fazer nascer coisas onde elas já existem todas. é nesse caminho que sigo.

óculos escuros

na boca um enjoativo sabor a açúcar. a visão ainda turva. o corpo suado, amassado. vê passar, à sua frente, quem se diga "não ser aliado do capitalismo", "não trabalhar mais um dia durante o resto da vida". um telefonema impositivo, recusado. convites por responder. ameaças por cumprir. na boca um enjoativo sabor a açúcar. as pernas trémulas. sentado.

suma

ouve isto, não te imponhas limites, para que possas continuar a transgredir.

pessoas

ele sempre acreditou que os livros não o atraiçoariam. e mesmo quando isso aconteceu, pareceu-lhe que a culpa era das pessoas.

livros

podes ter isto como garantido: dos livros não esperes amor.

sexta-feira, 3 de julho de 2009

literatura de viagem

sair de casa, por alguns dias, para um lugar onde grande parte das coisas são novas, é sempre um estímulo à nossa atenção. deixamo-nos levar pelas cores, pelas construções, pelas pessoas, pelos nomes dos lugares. deixamo-nos levar. e quando, passados alguns dias, se prepara para voltar a casa, já não somos os mesmos. somos muito mais que isso. felizmente.

gesto

hoje em dia ensina-se de tudo. menos a ouvir e a falar. e, de vez em quando, a sociedade é confrontada com essa necessidade. sem saber como lhe responder.

cornos

um par de cornos. assim, com as mãos encostadas às têmporas, os dedos indicadores esticados. um par de cornos.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

excepção

pela póvoa de varzim ainda resta a memória de são pedro. são pedro pescador, festejado com sardinha e festa, noite dentro. mas pedro não era o único, dos apóstolos, a pescar. apenas foi encontrado por jesus entre as redes. o que nos dirá que, ou pedro era um mau pescador, o que mais se atrasou na função, ou andava armado em espero, a pescar fora de horas. coisas que, entre pescadores, há muito. excepções à regra.

paz

em fão, as pequenas ruas por onde o carro se esforça, estão cheias de paredes altas e janelas que desejam procissões. foi assim há muito tempo, é ainda hoje. as pessoas são altas e caminham pela calçada. as pequenas praças nascem como flores. as árvores desejam o rio. o rio alimenta a praia. ainda há paz.

alma

na apúlia, as casas antigas e abandonadas beijam as pedras da requalificação costeira. (já vi isto em algum lado). há sol que quase brilha, mas quase ninguém na rua. apenas alguns fantasmas, que esperam encostados nas portas dos cafés, que estacam nas bancas do peixe. na apúlia, alguém matou a alma, na hora de recuperar o corpo.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

coisa de gato

o segredo é não lhe deixar nada à mão (ou à boca). uma mala, uma carteira, o carregador do telemóvel. desta foi o carregador. a noite é longa para o gato. as luzes estão apagadas, os carros não passam na rua, alguma coisa será capturada pela sua atenção. o carregador do telemóvel. a noite é longa, para o gato.

ainda o gato

não como outro gato qualquer. insiste em passar o tempo a roçar-se às minhas pernas e mãos. dorme, dorme muito. e ocupa o resto do tempo a perseguir as sombras projectadas na parede da sala. tem uma vida ocupada. como outro gato qualquer.

gato

de olhos fechados, o gato molha a pata para tentar limpar a cabeça. não se ajeita muito, nessa frágil concentração de olhos fechados. de repente, estaca, percebe-se observado. e os gestos que retoma são ainda mais desajeitados.