segunda-feira, 31 de agosto de 2009

busca

por isso soam tão ridículas as grandes causas, as grandes medidas, aquilo que realmente importa para o país. por isso soam tão rídiculos os grandes comícios, os grandes cartazes, os estandartes caríssimos à porta das cidades. tudo aquilo que somos resume-se às coisas mais pequenas. cabem na palma da mão, numa palavra, num olhar. é para essa busca que continuamos vivos.

ínfimo

tem-me chegado para falar o suficiente de um mundo que se lê a si próprio em todas as palavras que encontra. quer queiram, quer não, todos aqueles que discutem as maiores coisas do mundo, é nas mais ínfimas que se encontram todos os mistérios que interessam ao ser humano. quanto a isso, não há muito a discutir.

arte poética

é uma fotografia do que há
ou uma proposta de definição para o que somos
ou, pelo menos,
para o que eu sou.

isso, para mim, tem-me chegado.


de um email enviado ao mário rosado onde havia um anexo

sábado, 29 de agosto de 2009

marinheiro

as colunas são agora enormes e as vozes entram-nos pela casa, vibrando nas janelas. somos como marinheiros, há quem nos encante e chame, mas, se nos prendem, morreremos.

manhã

as pessoas deslizam pela calçada até à praia, onde se estendem debaixo de um misto de sol e névoa. as crianças falam alto, os homens transportam jornais e cadeirinhas. o cheiro do mar esforça-se para disfarçar o cheiro da noite passada. como todas as manhãs.

elogio ao fialho

elogio ao fialho que num sábado de manhã me consegue transportar para um mundo a sul, onde os animais do mar beijam as mãos de quem os apanha e come, como se existisse uma consciência natural de que cada um tem, para missão, o oferecer do prazer ao outro. elogio, ainda, ao fialho, por encontrar o lugar onde o sangue corre calmo, como um diário, escrevendo na pele a mais ínfima das sensações. é aí que nos encontramos.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

sexta-feira

a sexta-feira é um dia silencioso. chega ao fim de todos os outros, cansado, encoberto. e, mais que um dia próprio, parece ser um dia em que tudo se prepara, para os brilhantes sábados e domingos que a ele se seguem. portanto, hoje, um dia silencioso. a porta de casa a abrir-se e ninguém que nos espera. o jantar solitário. o café calado, frente a um televisor que transmite mau futebol. uma cerveja algures. o sofá da sala. hoje.

greve

segundo camilo lourenço, a ground force teve 38 milhões de euros de prejuízo em 2008 e prevê um novo resultado negativo, na ordem dos 25 milhões, para o ano de 2009. segundo ele, "são estas pessoas que estão de greve". o que camilo parece ignorar, é que quem está de greve são os trabalhadores, não a administração. aliás, uma das queixas dos trabalhadores é o mau trabalho da administração. camilo, se a parvoíce pagasse imposto, eras um grande contribuinte.

agosto

estamos na terra de ninguém. o verão parece ter acabado, mas ainda é agosto, ainda há pouca gente pela cidade. diria-se difícil de entender, onde estarão todas aquelas pessoas que, lá para o meio da próxima semana, ocuparão todo o espaço onde hoje ainda se respira.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

noite

a noite inteira é grande demais. demasiadas voltas na cama vazia. demasiados barulhos das casas vizinhas. demasiados gritos pelas ruas. a noite inteira é grande demais. e eu não sou capaz. eu não sou capaz.

adormecer

tinha medo do escuro, tentava adormecer de luz acesa, mas com a luz acesa o sono não vinha, ou então eram as sombras nas paredes, tanto com a luz acesa como não, era sempre muito difícil a noite, tantas decisões para tomar, tantas coisas para esquecer, só para poder adormecer.

fantasmas

dizias lengalengas para afastar os fantasmas, os mesmos fantasmas que se sentiam atraídos pelas lengalengas que dizias.

terça-feira, 25 de agosto de 2009

infância

de quando era pequeno sobrou-me, ainda, um poema no bolso. um dia, perdido na grande cidade, troquei-o por um lugar sentado em frente à miúda mais gira da cantina. comemos em silêncio. depois, saí fumando cigarros pelas ruas sujas. em algum lado a minha infância quis ficar assim, pisada e ignorada. mas não resultou.

pedra

o homem de pedra guardava a minha porta, cantava à minha beira, sabia da maneira de me sossegar. o homem de pedra era do tamanho dos tectos, do tamanho dos dedos grandes, como uma superfície lunar. o homem de pedra já não deve lá estar, onde sempre esteve, quando eu era pequeno. mas não sei, ninguém sabe, onde o encontrar.

paredes

aprendi a falar baixinho a meio da noite, quando queria que ninguém ouvisse o que sonhava em voz alta. aprendi a falar baixinho assim, a dormir, para não incomodar os passos estrangeiros no soalho do corredor. desde então que apenas me ouvem as paredes.

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

mares

não deixes, no entanto, de guardar alguns segundos para reflectir bem nisto: uma estrada secundária, por muito empoeirada que seja, pode sempre levar aos maior dos mares. o mesmo não se poderá dizer das auto-estradas, nem das vias rápidas há muito mapeadas.

invenção

porque o corpo é tudo isso, também, uma amálgama de experiências não-físicas, intocáveis, que apenas podem ser exploradas pelo próprio, e mesmo assim, em diferido, já com a pouca lógica invenção a contaminar tudo.

facas

alguns dias, a cabeça vazia, a ecoar frases desconexas, como se fosse possível, viver só por dentro do corpo, onde nunca ninguém consegue entrar, nem facas.

sábado, 22 de agosto de 2009

domingo no parque

os pais e as mães e as crianças, um casal de namorados aqui ou a ali, a convenção das avózinhas na hora do chá mesmo em dias de calor bruto, alguém que ia para a praia mas estava frio, os maníacos do desporto, os maníacos da corrida (não, correr sozinho não é desporto), os maníacos da leitura (aqueles que não olham a meios e se deitam mesmo atrás da suposta baliza do jogo de futebol dos putos), os que foram só fumar um cigarrinho, os que foram só ver as vistas, o polícia, o guarda do parque, um balão que foge da mão de uma criança e que, lá de cima, regista tudo isto.

marraquexe

para lá de marraquexe, dizia a canção, e ele continuava a fechar os olhos e a imaginar-se a voar, ou ainda mais que voar, transmigrar-se consecutivamente por todos os cantos do planeta, sempre, sempre, sem fim.

ler

às vezes, nem é tanto a opinião, a vontade de estardalhar por qualquer coisa, agora que é agosto e parece que anda tudo morto ou a comer inglesas no algarve. é mesmo não saber ler para lá das letras que estão escritas no écrã branco (com algumas dedadas) do computador.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

ente

fez-se a substituição há uns meses, sai o personagem-por-de-trás-do-ente-inventado e entra o-novo-personagem-por-de-trás-do-ente-inventado, o povo até é capaz de nem reparar, mas lá está, reparou, a coisa perdeu gás, e então o melhor é tentar inventar outro-ente-inventado-que-à-base-de-links-e-pequenos-comentários possa sobreviver, sabe-se lá, talvez até criar mais uma onda de solidária-curiosidade, para que a malta não desista de ler os blogues, comprar as revistas, esgaramantear as laustríbias, ai meu deus!, ai meu deus!, pode ser que sim.

de mais

eles almoçam vezes de mais , comentam-se uns aos outros vezes de mais, lêem os livros uns dos outros vezes de mais, aparecem vezes de mais, acham que o país é só lisboa vezes de mais, acham que estão na crista da onda vezes de mais, não se dão conta que vai tudo pelo ralo vezes de mais.

passeata

é mesmo assim, a política da televisão. o sócrates leva a menina a uns comícios, a umas passeatas, o povo diz adeus, um ou outro malandro comenta no café que a patrocínio tinha uma mini-saia do caralho, e fica toda a gente contente, afinal um bom político é aquele que nunca desaparece, como as nódoas fodidas.

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

apagar

havia uma mensagem no telefone que ninguém ouviu. faltou-lhes coragem. a última mensagem que alguém recebe fica pendente, como uma sentença de morte. um recado que não serve para nada. uma ameaça, um desejo, um aviso. ninguém ouviu. apagou-se.

faca

com uma faca abria o caminho. como quem corta bifes. o caminho é longo, com nervuras e osso. como quem mastiga costoletas. com uma faca abria o caminho. tinha os pés cansados, a testa suada. a fome crescente na saliva. com uma faca.

mesa

bate os dedos no tampo da mesa. é tarde. a noite chegou mais fria, hoje. a casa vazia. um copo sobre a mesa. uma garrafa. bate os dedos no tampo da mesa. ele não está.

quarta-feira, 19 de agosto de 2009

resto

quanto ao resto, o normal: uma cerveja ao fim da tarde, carne e salada para o jantar, um passeio e um café, o sofá e um livro, adormecer do lado certo do universo. sim, por cá tudo bem. obrigado por não perguntarem nada.

existência

desse lado do mundo ninguém te ouve, tu falas cada vez mais baixo, parece que tens vontade de desincomodar o mundo, tornar-te ausente, apagado, como se, na prática, tivesses deixado de existir, é esse o objectivo, quase de sempre, de quem conseguir, um dia, chegar a existir.

listas de compras

fazes listas de compras. a vida inteira a fazer listas de compras. desde quando és jovem e ajudas a tua mãe até aos dias em que fazes listas de compras para que alguém vá às compras por ti, que já não consegues sair de casa sem te doerem imensos ossos que tens envelhecidos. é isso que tu fazes. listas de compras.

terça-feira, 18 de agosto de 2009

disciplina

a verdade é que a mão e a cabeça se habituam às normas que lhes tentamos impingir. elas vão atrás. e depois, à frente, muito mais à frente. parece-te que perdes a disciplina, no momento em que outras ganhas. no entanto, algo te diz que não é isso o mais importante. a mão e a cabeça funcionam, seja em que formato for, todos os dias. todos os dias.

silêncio

chamavam-lhe praia do silêncio. ali ninguém falava. apenas o barulho do mar a dobrar-se sobre a areia, em ondas pequenas. só muito mais tarde se percebeu que, ali, todas as pessoas estavam sozinhas.

ressaca

deixou cair o corpo sobre a areia, peso pesado da noite passada. a boa seca, mal refeita dos álcoois. o sol intenso, marcando-lhe a pele. é só mais um dia, pensou ele. só mais um dia.

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

sou

queria ser capaz de dizer as coisas de uma forma directa, mas a língua sempre me foge para a literatura. assim engulo, mastigo, mas não rebento. o meu peito é sementeira em crescimento. e lá dentro, o coração segue, irregular, às vezes rápido, outras lento. queria ser capaz. e sou.

respiro

os livros acumulados na cabeceira da cama, a rádio ligada, que horas são? a mão que aprende a escrita é a mesma mão que segura o copo, que acende a chama, que acaricia a face. tudo está interligado. e eu ainda respiro.

verão

a auto-estrada vazia rumo a sul, o sol alto, a lezíria cheia de verdes, águas baixas, começos de verão. este ano o verão está sempre a começar, penso. um eterno começo, quieto, como uma brisa que nos trás o som do mar, ao longe.

sábado, 1 de agosto de 2009

um certo tipo de leitor

todos os dias na feira do livro só para levar marcadores.

outra leitora

a senhora até pode ser inteligente mas tem um pai e um marido que não se aguentam.

leitora

a miúda até que pode ser girinha, mas só compra livros da colecção da sábado.

traidor

queria dizer ao senhor da tshirt que aqui passou que a tradução de "no stress" é capaz de ser "não stresse".

we want you!

senhor de repetidas ressurreições, marmelo está cada vez mais amargo. é dos vinhos que azeda, não dos anis que adoçam. precisamos de gajos assim.

agosto

toda a gente a adivinhar agosto, prometendo ausência de férias, e logo ao primeiro do mês, aguaceiros para acordar e eu de serviço. não vou roer de inveja os ossos dos outros (seria feio), por isso venho aqui. ena!