sexta-feira, 30 de julho de 2010
talvez descansar
não interessa de sobremaneira o futuro, desde que eu saiba que não vou parar. o passado é apenas importante na medida em que deixa um rasto ao qual posso, sempre, voltar. o que vou fazer a seguir, não sei. talvez descansar.
como
também começas a sentir que o importante não será estar sempre onde é preciso. algures a falta é também uma sensação que nos completa. começas a sentir que nem tudo o é feito para ser visto ou lido. começas a perceber como as coisas, realmente, funcionam. e não, não é desejo de resguardo. é como as coisas são.
aprendes
aprendes a reduzir a felicidade às coisas que consegues segurar entre dois dedos. e entre dois dedos cabem mundos inteiros. aprendes a reduzir as causas da felicidade, as suas consequências são impossíveis de medir. aprendes a fazer isso e a sorrir, em seguida, sorrir, sempre. aprendes.
quarta-feira, 28 de julho de 2010
vou por aí
então eu vou por aí, vou andar pelas linhas que saírem de meus olhos, e espero encontrar, sei que vou encontrar, esse sorriso, esse abraço, esse carinho, essas coisas todas que têm muito mais que ver com um gostar verdadeiro do que com um gostar interesseiro. talvez o homem que queira ser luís filipe cristóvão, não queira mesmo ser luís filipe cristóvão. talvez fique satisfeito por ser qualquer coisa de outra, qualquer coisa que ele já é, mas que só alguns poucos o percebem como possível de alcançar. então eu vou por aí. nem tanto a procurar, como disponível para ser encontrado.
história
pois todos os caminhos cruzaram as mesmas personagens, tentando fazer perceber ao mais escondido dos homens toda a filosofia da humanidade. pois também todas as línguas se conjugaram para esse encontro, onde os perdidos chegados das diferentes direcções souberam bem o que dizer para se apresentar. já aqui estou há tanto tempo e talvez ainda nada tenha dito de mim. agora o percebo. agora.
terça-feira, 27 de julho de 2010
photo-finish
ao calor elas correm, parece que vão paradas, pequenos corpos vistos assim, à distância, ao calor que nos estrangula, as pernas que vão suadas, elas correm e saltam e correm, pequenos pontos na miopia transfigurados, faz-se a curva, mede-se a distância, mas é a ordem dos saltos que aponta, vai atrasada, já não ganha, não se apura, ao calor elas correm, parece que vão paradas, sobre a meta, num photo-finish preparado com quatrocentos metros de antecedência.
martelo
vai o martelo no ar e já se encolhe a vizinhança, de altura assustadora, cai o martelo na erva, marca o ponto, aponta a marca, vai o martelo no ar e já se enruga o sobrolho, estende-se o corpo na gaiola, pisa-se a linha delimitada, é ponto nulo, é nula a tentativa, vai o martelo no ar e sabes que não há saída.
sapatilhas
acordo ponderando em fabulosas sapatilhas. madrugada e já os homens correm e suam, já as mulheres se preparam, já os juízes ajuizaram, já os passantes aplaudiram, já os câmeras filmaram, já as televisões transmitiram, as rádios ecoaram, e eu apenas acordo, acordo ponderando em fabulosas sapatilhas, descendo à rua, entrando na pista, saudado por todos, cortando a meta.
segunda-feira, 26 de julho de 2010
grito mudo
o grito não ecoou pela cidade, estavam todos a dormir, até a mão que agride, até o corpo que sofreu. o grito não ecoou pela cidade, não chegou a começar. mas tu acordaste, suada, assustada. tu acordaste. o grito não ecoou pela cidade, ninguém o ouviu. amanheceu um corpo sem vida no canto mais escuro da cidade.
não mais
não mais a boca seca de manhã, a cabeça pesada, os pés trocados, em corrida/queda pelo corredor. não mais o transtorno do cigarro a morrer nos lábios, a palavra trespassada, o esquecimento do pormenor nocturno. não mais os óculos partidos, a testa esfolada. não mais isso. não mais.
explicação
prefiro acreditar que tudo tem uma explicação. este sol forte que nos toma os pensamentos, a travagem mal calculada que fez um carro se despistar esta manhã, a ausência de palavras vindas da tua boca, os olhares em fuga das pessoas da rua, a bola rematada contra o poste no jogo de ontem. prefiro acreditar que tudo tem explicação. persegui-la pelos dias, em cada recanto. mesmo que nunca a encontre. mesmo assim.
sábado, 24 de julho de 2010
réplica
mas um lugar funciona hoje como exegese da possibilidade teatral. a câmera. milhares de homens e mulheres descansam em pequenos habitáculos interiores aos espaços comerciais, assistindo continuamente à repetição do real, captado através das câmeras de vigilância. em algumas zonas, experimenta-se já o mesmo efeito nas ruas, e onde ainda falta o som, esmerados criadores tentam recriar diálogos que assentem sobre as imagens recolhidas em tempo real. mas não, não faltará muito para que até as nossas conversas possam ser captadas, as conversas de rua, de telefone, as conversas connosco próprios. e então chegaremos à réplica perfeita do acontecimento que é as nossas vidas. e então perceberemos que não era disso que andávamos à procura.
teatro
o dilema do autor dramático é o encontrar de linguagens próprias para cada personagem. no entanto, o autor dramático é, já, uma simulação dessas deslocações. sentado à sua secretária, imagina redutos onde ninguém pode entrar, falsificando, à partida, toda a geometria dos afectos que se prentende natural. depois, imagina um palco onde haveria uma sala, um sistema de iluminação onde se quer apenas um candeeiro, um guarda-roupa onde as pessoas só se deveriam vestir com a sua roupa de cada dia. o dilema do autor dramático é não ser deus. e, para além disso, ter pouco tempo a perder até que possa descansar sobre a obra feita. há quem leve milhares de anos de avanço nas experimentações. e, ainda assim, a plateia queixa-se.
sem drama
não, não será necessário aguardar o ambiente propício ao nosso encontro, podemos simplesmente sair de casa e sentarmo-nos num café próximo, pedir distraídamente dois sumos de laranja e desatar as línguas numa daquelas conversas fúteis que enchem as telenovelas de todas as televisões. e não, também não será necessário corromper os nossos olhos com toda a filosofia da europa antes de tomarmos alguma decisão ética sobre a possibilidade de duas pessoas (neste caso, tu e eu) poderem fazer a sua vida sem ter que estar, constantemente a pedir autorização para cada gesto que façamos. deixemos as coisas serem como são, simples, seguindo-se umas às outras. sem dramas, sem qualquer tipo de dramas.
sexta-feira, 23 de julho de 2010
fenda
e porque o meu peito é uma fenda aberta onde eu tento não cair, coloco, junto à berma, um aviso à navegação. sentado numa cadeira de lona, vejo os carros que chegam, um atrás do outro, descendo as montanhas que me rodeiam. numa mão um cigarro, na outra um livro, espero que o tempo componha a sua aproximação. e porque o meu peito é uma fenda aberta onde eu tento não cair, preocupo-me ainda com as quedas dos outros. sentado numa cadeira de lona, ninguém diria que, daqui, vejo o mundo em toda a sua grandeza e fealdade. numa mão a caneta, na outra o telemóvel, quem me ligará quando sou eu o fim da estrada? o meu peito é uma fenda aberta onde eu tento não cair. repito muitas vezes esta frase no silêncio. e quando me levanto, vou pé ante pé, seja qual for o destino.
pôr-do-sol
o pão já está sobre a mesa, a sala ainda vazia, apenas a brisa que corre entre janelas, apenas a sensação de ser verão, o pão sobre a mesa, um chuveiro a correr, o biquíni pendurado na corda da varanda, os meus pés descalços, a porta, o pão sobre a mesa, uma música bem baixa, os risos das crianças lá fora, o regresso da praia, a noite que chega, o pão sobre a mesa, o pão sobre a mesa, os teus cabelos molhados.
precipício
não digas nada, deixa apenas que o dedo indicador percorra as tuas costas até ao precipício do mundo, deixa apenas que o sorriso te cresça no canto dos lábios, que os olhos te brilhem, não digas nada, tenta apenas sentir, tenta deixar que as coisas simples tomem conta dos teus sonhos, da tua respiração, e depois, sim, depois grita e voa, salta comigo em direcção ao mar.
quinta-feira, 22 de julho de 2010
plano
o meu plano actual é ouvir andrew bird até que me cresçam asas. o meu plano seguinte é aprender a recortar penas. o meu desejo é saber a cor com que me crescerão as asas. se podem ser bem claras, como o sol desta manhã. ou se serão escuras como a gravidade do momento. o meu plano actual é uma conspiração de homens calados. o meu plano seguinte é uma entrada de rompante no concerto da banda filarmónica da cidade. o meu desejo é saber onde começa o timbre que me invade os ouvidos. se um alarme despertador me foi inserido no cérebro ou apenas no pensamento. o meu plano actual é isto.
palavra
eu, que já corri quilómetros, percebo que nem todas as línguas têm suficientes palavras para enquadrar o nosso pensamento. e sei ainda que algumas das palavras certas são, na verdade, deliberadamente mal representadas em sons ou ritmos, de maneira a que nos surjam falsas. eu não gosto de palavras, muito menos das certas. mesmo agora que percebo que nem todas as línguas serão suficientes para expressar o que vou sentindo, não gosto mesmo nada das palavras certas. porque a um ligeiro contentamento de acertar, segue-se o silêncio de não haver mais nada a dizer. eu, que já corri quilómetros, vou continuar a procurar. sem vontade alguma de encontrar.
calças
não passes a tua mão no meu bolso das calças. talvez eu tenha esquecido por lá umas últimas moedas, ou mesmo a vida. e sabes, encontrar uma vida assim, amarrotada na cadeira do canto do quarto, talvez não seja mesmo a melhor forma de enfrentar. não passes, então, a tua mão no meu bolso das calças. deixa-me que as lave, que as estenda na varanda, espera que venha um sol que as seque. algum dia eu serei um rapaz de calças novas e lavadas. algum dia estarei, sim, à tua mão.
adolescente
esta noite vamos beber às palavras que se repetem sem sentido. e talvez possamos, também, falar sobre a vida e as gaivotas. esta noite vamos beber até que os pés fiquem dormentes, conquistar o mundo na hora da maré vazia. esta noite vamos inaugurar os sentidos escassos do álcool, repetir a mesma saída de sempre. tão pequenos e tão fúteis nos fizemos. tão carentes de significado e de verão. esta noite, na praia.
quarta-feira, 21 de julho de 2010
explosão
"estás preparado para a guerra", diz ela, e as armas aparecem-me nas mãos, cerro os dentes, fecho os olhos. "estás preparado para a guerra", diz ela, mas não saio eu a correr de fronte ao inimigo, não deixo que a motivação me oculte o raciocínio. o meu passo é recatado e silencioso. a minha arma é a explosão no centro da atenção dos mundos. não sou um terrorista. sou uma evidência, estive sempre aqui para ser apontado. mas agora, agora que estou preparado para a guerra, sou explosão.
sprint
já quase adormeces quando toca a campainha. já quase não existes quando te chamam a intervir. poucas palavras dizes, nada tens para oferecer. o teu ser é uma recordação distante, materializada em virilidade ocasional. já quase adormeces quando se desperta a mente. último sprint de uma etapa qualquer da volta à frança. último sprint e a limpeza de um coração feito de rectas. já quase adormeces e acabas, mesmo, por adormecer.
gesto
prevês o gesto mas não prevês a consequência. assim coordenas o espaço entre os dedos e a consciência. resguardas-te no silêncio, mas todo o teu coração é ruído. tremes ao ouvir o barulho das casas que compõem o prédio onde vives. prevês o gesto, adivinhas a voz. não compreendes as palavras, apenas as sensações. homem agride mulher, é uma velha história sem humanidade nenhuma. e refazes agora todos os sorrisos e palavras amigáveis que trocaste, a subir ou descer escadas. refazes agora o plano sobre as impressões, quando eram também impressões o que te fizera sentir positivo. prevês o gesto mas não prevês a consequência. quantos mais dias à espera do último ruído rasgando o sono?
terça-feira, 20 de julho de 2010
um recomeço
para poder recomeçar, deixemos as mãos segurando os lençóis e voemos, de braços bem abertos, por cima das casas, das casas, das casas. para poder recomeçar, temos também que aprender que as palavras, assim como as conhecemos, chegaram agora ao fim da sua vida, preparando-se afincadamente para rejuvenescer em novos significados. para poder recomeçar, como se fosse um refrão, vejam só, ensinemos os pés a reconhecer as calçadas, mas também a areia, a terra, a poeira dos caminhos. depois, de braços bem abertos, desenhemos os telhados nas folhas brancas de papel, inventemos a pequena glória dos nossos sonhos, tratemos de tratar de todos os assuntos da benevolência. aí será, se não me engano, o lugar, o lugar para poder recomeçar.
de olhos fechados
aprendi, de olhos fechados, a caminhar na casa, e logo fiz da casa algo bem maior, um mundo, e então o meu mundo percorria-se de olhos fechados, em segurança. aprendi, de olhos fechados, a percorrer o teu corpo, e logo fiz do teu corpo algo bem maior, uma existência, e então a minha existência era o teu corpo, em aconchego. aprendi, também, os pesos e os sabores dos beijos, os lugares e as exaltações dos dedos, o calor resguardo entre as coxas. de olhos fechados, tudo agora me é tão claro. de olhos fechados.
dos campos
o que se pode apreender da observação dos campos, em resumo, é o lugar onde colocar os pés, a maneira de o percorrer, a existência efémera das possibilidades. pode-se ainda reter os cheiros, as barreiras, as ilusões. o que se pode apreender da observação dos campos, é uma linha fina que se vai criando sobre as ervas ou o trigo que neles crescem. também as vozes, longínquas, de algumas pessoas. um ou outro olhar. a infinitude.
segunda-feira, 19 de julho de 2010
armadilha
no fundo, gastas as palavras até que nada fique por escrever. gastas-te a ti próprio, até que todos se sintam cheios de ti. gastas as oportunidades, as possibilidades de fuga. a prisão onde te encontras é a mesma prisão a que condenas o resto do mundo. é essa a equação mais complicada de resolver. estás na tua própria armadilha. e não há quem te encontre ou salve. fosse para te deixar ir, fosse para te dar a estocada final.
a ofensa
uma boa maneira de não ter descanso é encontrar um livro que nos retire do lugar. um livro onde tudo faça sentido apenas dentro dele. um livro que se nos oferece como um enigma, uma bomba-relógio, pronta a explodir dentro da nossa própria cabeça. uma boa maneira de ficar magoado com o mundo que temos é entrar num mundo que inventamos. ter que encontrar o sentido para algo a que nunca havíamos sido expostos. ter que perceber qual a verdadeira ofensa d' a ofensa, de ricardo menéndez salmón. passar dias inteiros nisto. ficar para a vida.
al-biynman
na ilha de al-biynman, para casar, era preciso cortar a cabeça de um homem. o noivo recebia a mão da noiva contra a entrega da cabeça de um homem em casa do pai dela. na ilha de al-biynman, quantas mais cabeças de homens cortasses, mais vezes poderias casar. tanto poderias ser um macho sanguinário como um homem apaixonado. nenhum homem poderia ser amigo de um outro, quem quisesse ajudar ao amigo a casar, poderia ter que oferecer a sua própria cabeça. na ilha de al-biynman, os homens rareavam. os mais fortes, os de maior prole, eram também os mais paranóicos, doentes e violentos. a ilha de al-biynman acabaria por desaparecer de todos os mapas, de todas as memórias de cabeças cortadas. depressa se chegou ao ponto de cortar a cabeça do pai, do tio, dos irmãos. é para lá que caminhamos. é para lá que caminhamos ainda.
conflitos
não é cabeça cansada, é recolha de informação. não é falta de paciência, é afinação do sistema. não é mau humor, é persistência. não é má criação, é sinceridade. não é que não te queira falar, é não ter nada para te dizer. não é que não queira oferecer-te um poema, mas custa-me responder a encomendas. não é que eu não saiba cantar, é a voz que não quer sair. não é que eu me tenha esquecido, apenas não era ainda o tempo. não é que seja fácil, mas andando lá chegaremos. não é nada como tu queres, nem nada como eu quereria. é como tem que ser. como tem que ser.
processo
a solução é evitar as grandes decisões, os anúncios, as promessas, tudo. a solução é evitares as discussões, argumentos, análises ou grandes conversas sobre os "grandes temas da literatura" (sic). a solução é fugir pelos campos, pés descalços, ou então embrulhares-te na areia quando ainda, sobre a praia, tudo é névoa e falta de humanidade. é mais fácil ser-se humano quando se está sozinho, disso não duvido. mas eu nunca estou. nunca, nunca estou. sou processo de desaprendizagem em movimento.
prisão
não é fácil encarares, diariamente, as tuas próprias falhas no caminho que vais fazendo. mas também não é fácil assumires, por alguns dias de trabalho, a tua vontade de deixar de fazer o que te provoca essa coceira em todo o corpo. não estás a dizer verdade nenhuma, tu sabes, a mentira é a tua forma de ir construindo a vida que os outros pensas que tens. mas, no entanto, o que vais desenhando é um reduto onde é cada vez mais difícil entrar. não é fácil encarares o facto de estares isolado, de ninguém querer saber, de poucos perceberem como se visita esta vida que começa a ser peça de museu. para tudo e todos, és ilusão que conversa ou respira. não está fácil, não, não está mesmo. o corpo ajustando-se à pequenez da prisão onde o guardas, a alma muito maior que tudo aquilo que possa um dia vir a ser descrito. tu percebes. mas não sabes como o contar.
sexta-feira, 16 de julho de 2010
saber
não há melhor poesia que um corpo satisfeito, seguro de si. não há melhor poesia que um coração aconchegado. não há melhor poesia que o olhar da pessoa certa, a sua segurança nos nossos braços. não há melhor poesia que a ausência de palavras, o saber tudo o que é dito, sem necessidade de articulação.
criar
agora já podemos criar novas palavras para os sentimentos que não temos como explicar. o certo é que, ao fim de algum tempo, as palavras nascem-nos na boca, palavras do tamanho de corpos inteiros, com ares de poesia e carinhos a substituir as arestas. agora já podemos criar mesmo aquilo que quisermos. e sorrir o dia inteiro a pensar nisso.
história
não se trata de qualquer segredo. é apenas o vento que continua a soprar para dentro das nossas cabeças. é apenas aquele lugar, no alto da arriba, que nos permite olhar todo o mar. não se trata de qualquer invenção, qualquer novidade. foi sempre assim que as coisas foram. melhor ou pior contadas por aqueles que vieram antes de nós. sempre assim.
quinta-feira, 15 de julho de 2010
ritmo
como treinar a mão para um ritmo onde a lágrima se desfaz sempre em riso inteiro e os pés não conhecem nada mais do que a generosidade da terra que os beija, ora aí está onde eu mergulho sem me encontrar maneira de respirar outra vez com pulmões plenos. como treinar ou reconhecer, quero dizer, como saber fazer-me dessa cor, desse jeito, sem perder, ainda assim, o rastro que é agora toda a minha pele e o meu ser. queria ser capaz de fazer as perguntas, mais do que encontrar as respostas, mas está tudo tão longe (ou perto demais), está tudo tão longe de ser, por um momento que seja, passível de ser meu. confundo-me sem me reter na ilusória capacidade de usar as palavras - o segredo é continuar. mesmo sem qualquer pontuação com que me salvar.
adormecer
agora é hora de adormecer deste lado do verão, onde o rumor do mar se mistura com as vozes dos adolescentes que correm as ruas em busca de qualquer coisa que eles ainda não sabem que nunca vão encontrar. adormecer onde o calor nos toma os corpos despidos e, na boca, as palavras vão perdendo força, ficando gemidos, de um prazer redescoberto no aconchego do abraço. agora é essa hora. já apaguei a luz.
melhor
melhor mesmo é dizer não à viagem. ficar por aqui, ficar por casa. deixar que seja a areia a arrebatar-nos os passos, a prender-nos as pernas, a isolar-nos do mundo. melhor mesmo é dizer não à estrada. ficar pelos curtos caminhos do conhecido, ser beijado pela comoção do próximo. melhor mesmo, é tudo isso, pequeno e resguardado, quieto e inútil.
quarta-feira, 14 de julho de 2010
opção
há um ditado comum onde desejamos, aos outros, aquilo que eles nos fizeram a nós. desejamos que os outros sofram do mesmo mal, padeçam das mesmas agonias, das mesmas dores, das mesmas ansiedades. mas não estamos seguros de que isso garanta a aprendizagem a alguém. perante a repetição de um acto, todas as reacções são possíveis, todas elas dependem de um muito maior quadro individual. e então pensamos que, perante esse mal semelhante na vida de um outro, esse outro decidiu praticá-lo sobre nós. percebemos que se trata apenas de um círculo vicioso que agora cobre a nossa rua, a nossa porta, a nossa casa. percebemos que, a determinado momento, a opção vai ser entre participar ou sofrer. e sabemos todos que o sofrimento nunca é a opção vencedora.
psicologia
é a psicologia das coisas comuns. um pequeno evento aleatório que se torna repetitivo, ganha um peso exagerado no nosso quotidiano. passamos a acreditar em coisas que não acreditávamos antes. passamos a temer, a odiar. é a psicologia das coisas comuns. o mal que nos pode tocar a todos. concentrar em nós uma energia que acabará por ser descarregada em alguém, de uma forma brutal e inesperada. e mesmo que não o queiras, sabes que não o poderás evitar.
arrombamento
daquele número de telefone só podem vir más notícias. pela terceira ou quarta vez. o mesmo número de telefone. as mesmas más notícias. sobre os ombros o peso de, uma e outra vez, ver a porta deitada abaixo, o nosso espaço invadido. o mesmo número de telefone. quem sabe, a mesma ideia estúpida, de insistir em partir portas para não ganhar nada. luto contra o sabor amargo que me cresce na boca, que ameaça fazer sair uma palavra, uma frase mais violenta, mais chocante, para quem nunca sentiu o mesmo. pela terceira ou quarta vez.
terça-feira, 13 de julho de 2010
puxa
puxa a camisa, puxa o cabelo, quantas sílabas tens nos lábios no momento de sentir? não sou mais bússola de nenhuma leitura, remendo de qualquer história passada. puxa pelo braço, puxa pela ideia. e os armistícios da mente, quando serão assinados? não sou mais requebro de uma dança, passo de uma caminhada sem destino. abre os lábios, inventa a tinta. marcamos encontro no futuro das nossas imaginações.
leva
levo os pés pela areia, levo-os ao cheiro do mar. de mim eu pouco sei, ou nada. apenas aprendo pela forma das coisas que encontro. levo os pés pela areia, levo-os bem perto do mar. o meu ritmo é o ritmo do nascimento dos dias, da respiração das noites. pouco sei do que possa ser repetido nos salões da tua imaginação. sei que vou, sei que vou. e levo os pés pela areia, levo-os para dentro do mar. quem souber de mim, lerá as pegadas que deixo em registo até ao momento em que a maré encher. até aí.
arrasta
arrasta os teus cabelos pelo meu peito, respira devagar a brisa quente que entra pela janela da sala. arrasta os teus cabelos pelo meu peito, a minha mão desliza devagar pela tua pele, conquistando um território indiviso. por estes caminhos reinamos os dois, e isso está expresso nos sorrisos que trocamos, nos beijos que nos oferecemos. arrasta, uma vez mais, esta noite, os teus cabelos pelo meu peito. uma vez mais.
segunda-feira, 12 de julho de 2010
cinco anos
estava aqui mesmo onde estou agora, faz hoje cinco anos. havia mais livros pelas prateleiras, uma expectativa bem ansiosa no peito. ao fim de uma série de meses, finalmente, teríamos a porta aberta para receber os nossos amigos, os antigos e os que se começaram a fazer nesse momento. faz hoje cinco anos, nascia também uma revista por onde haveriam de passar muitos nomes, muitas letras, muita gente. há cinco anos estava tudo, apenas a começar.
não sabíamos bem por onde íamos. mas não nos passaria pela ideia crescer o que crescemos, fazer o que fazemos. as coisas foram, no entanto, tomando o seu rumo natural. vendemos os primeiros livros, aprendemos melhor como se transforma uma livraria numa coisa da qual se vive, editámos, criámos novos projectos culturais para várias cidades, um projecto de turismo cultural, crescemos muito no espaço e na internet, passámos a ser reconhecidos.
não sei explicar melhor as coisas que me foram acontecendo. as conversas que tive, as pessoas que conheci, os livros que vi sair da gráfica, transformados de ideias em coisas de papel. não sei explicar melhor como se cresce enquanto homem, com a possibilidade de tocar e sentir tanta gente e tanta ideia à nossa volta. como nos tornamos diferentes e percebemos coisas que nos eram estranhas anteriormente. também não sei como explicar melhor as dores e os choros que cinco anos nos provocam.
estava aqui mesmo onde estou agora, faz hoje cinco anos. mais daqui a pouco estarei lá em baixo, a apresentar mais uma revista (a sexta), a festejar mais um ano que se completa. cinco anos passam muito depressa quando não paramos para pensar neles. os cinco anos são assim. quase nos fazem esquecer o momento em que abrimos a porta, aquilo que sentimos nesse dia. mas faz hoje cinco anos. e eu só sei que vamos continuar por aqui.
não sabíamos bem por onde íamos. mas não nos passaria pela ideia crescer o que crescemos, fazer o que fazemos. as coisas foram, no entanto, tomando o seu rumo natural. vendemos os primeiros livros, aprendemos melhor como se transforma uma livraria numa coisa da qual se vive, editámos, criámos novos projectos culturais para várias cidades, um projecto de turismo cultural, crescemos muito no espaço e na internet, passámos a ser reconhecidos.
não sei explicar melhor as coisas que me foram acontecendo. as conversas que tive, as pessoas que conheci, os livros que vi sair da gráfica, transformados de ideias em coisas de papel. não sei explicar melhor como se cresce enquanto homem, com a possibilidade de tocar e sentir tanta gente e tanta ideia à nossa volta. como nos tornamos diferentes e percebemos coisas que nos eram estranhas anteriormente. também não sei como explicar melhor as dores e os choros que cinco anos nos provocam.
estava aqui mesmo onde estou agora, faz hoje cinco anos. mais daqui a pouco estarei lá em baixo, a apresentar mais uma revista (a sexta), a festejar mais um ano que se completa. cinco anos passam muito depressa quando não paramos para pensar neles. os cinco anos são assim. quase nos fazem esquecer o momento em que abrimos a porta, aquilo que sentimos nesse dia. mas faz hoje cinco anos. e eu só sei que vamos continuar por aqui.
foi
foi um grande mundial de futebol. com grandes equipas a dominar a competição, com grandes jogadores em afirmação, com jogos disputados e momentos trágicos. foi um grande mundial de futebol. tivemos a sorte de ver casillas, puyol, fábio coentrão, khedira, schweinsteiger, arevalo rios, thomas muller, xavi, iniesta, sneidjer, robben, klose, villa, forlán, suarez. muitos destes nomes e destes momentos serão recordados, daqui para a frente, milhares de vezes. podemos dizer que os vimos em directo. podemos dizer que os vivemos. foi, sem dúvida, um grande mundial de futebol.
desculpas
oiço os comentadores criticarem a dureza de van bommel e de jong contra os médios-ofensivos espanhóis. mas nem uma palavra sobre a impetuosidade de puyol, busquets e capdevilla. uma equipa que aposta no controlo de bola, na beleza da finta, tem sempre desculpa para que os seus jogadores menos habilidosos possam castigar os adversários. quem aposta num jogo de linhas rectas, não.
oportunidade
a holanda poderia ter ganho este jogo se, numa das oportunidades flagrantes (duas para robben, duas para mathijsen), tivesse marcado golo. poderia até ter goleado. mas os deuses do futebol estiveram com a espanha. dizemos, agora, que temos um campeão justo. mas o futebol nunca foi um campo de justiça. é apenas o terreno onde ganha que aproveita as oportunidades. nada mais.
sábado, 10 de julho de 2010
o último minuto
oxalá que todos os últimos minutos venham a ter um livre à entrada da grande área. para que o final seja grande, trágico, sentido. oxalá que todos os últimos minutos se façam assim, com um remate à trave, ao lado ou na rede. oxalá.
o futebol
não esquecer, meus amigos, o futebol. o futebol sem qualquer outro objectivo que a parca honra. um terceiro lugar que não salva nada (será que existem, sequer, medalhas?). não esquecer, ainda assim, o futebol. as linhas direitas de uma alemanha cheia de jovens que é preciso rever, muitas vezes, nos próximos anos. os uruguaios cheios de raiva feliz e desespero concentrado. sim, amigos e amigas, o futebol. esse intervalo na vida, esse sossego filosófico. não esquecer, não esquecer.
anti-social
sim, ainda sabes sorrir para os outros, mas tão pouco. algures a tua paciência esgota-se ao mesmo ritmo que a caipirinha no copo. cumprimentas alguns conhecidos, trocas palavras de ocasião. sim, ainda sabes sorrir, mas de que te vale isso. a caipirinha vai do copo para o efeito, e a cabeça fica sem espaço para cedências. sim, sim, isso tudo, sorri e foge, enquanto é tempo. em casa sabes que podes ser anti-social à vontade.
o elogio do varredor de rua
voltar a ter cinco anos, voltar a querer ser um varredor de rua. no varrer, encontro toda a ciência concentrada. o gesto físico pré-determinado, a conjugação das partículas, a desobediência dos ventos. no varrer, toda a poesia do trabalho repetido e sempre inacabado (pois é impossível varrer tudo de uma vez). voltar a ter cinco anos, voltar a querer ser um varredor de rua.
quinta-feira, 8 de julho de 2010
o jogo escolhido
a holanda e a espanha são as melhores equipas, as equipas que são superiores nos jogos mais difíceis. mas a alemanha mostrou, quase sempre, um futebol mais limpo e directo, em procura do golo. e o uruguai foi a equipa com mais raça deste mundial. desculpar-me-ão, então, aquilo que vos confesso: tenho mais vontade de ver o jogo do terceiro e quarto lugar do que a final deste mundial. é claro, verei os dois. mas se tivesse que escolher um jogo para o próximo fim-de-semana, seria uruguai-alemanha. vai ser espectáculo.
bênção e condenação
digam o que disserem, a alemanha começou a perder este jogo quando thomas muller ficou excluído do jogo. um miúdo de vinte anos tem, neste momento, todo o jogo da equipa nas suas costas, já que ele é o primeiro avançado a defender, o médio que abre espaços para receber a bola, o homem que substitui todos os outros nas movimentações ofensivas da equipa. sem ele, a alemanha é uma equipa incompleta. trochowski só defendeu, kroos lutou para receber a bola mas não sabia o que fazer com ela. no banco, estava a terceira opção, marin, que seria exclusivamente o homem das movimentações ofensivas. ter um jogador como muller é uma bênção, mas também uma condenação. os alemães sabem-no melhor do que ninguém.
espanha
o jogo começa e os espanhóis guardam a bola. guardam a bola só para eles. durante longos noventa minutos, o jogo passa-se sempre nos pés dos espanhóis. que tentam passar e chutar por entre as pernas dos alemães. ingloriamente, o jogo acaba por ser conquistado nos céus, onde um pequeno espanhol conquista a bola entre as torres alemãs. abram alas, a espanha está, pela primeira vez, na final do mundial.
quarta-feira, 7 de julho de 2010
a holanda
sim, sim, mas quem vai à final é a holanda. a holanda com o perfume de robben e sneijder. a holanda com a elegância de van persie. a holanda com a aspereza certeira de van bommel e de jong (que falhou a meia-final, mas volta no jogo decisivo). a holanda que sobrevive ao facto de ter uma defesa que entra em pânico sempre que tem que trocar a bola no seu meio-campo. essa holanda que, na segunda parte do desafio contra o uruguai, apenas precisou de dez minutos a alta velocidade para conquistar uma vantagem de dois golos. a holanda em quem nem os holandeses acreditavam. são eles que vão estar na final. eles mesmos.
galeano, outra vez
um campeonato do mundo nem sempre trata apenas de futebol. como aqueles que estiveram indecisos sobre quem apoiar, até ao momento em que se lembraram que eduardo galeano é o mais conhecido fanático por futebol do uruguai. a partir desse momento, não restaram quaisquer dúvidas.
poesia em campo
estava já o jogo em tempo de descontos, quando luís freitas lobo, a comentar para o canal 1 da rtp, diz esta frase: "estão três milhões e meio de uruguaios a tentar entrar na área da holanda". e as faces que já choravam a derrota, alegraram-se com a presença da poesia.
uruguaios
somos todos uruguaios. todos nós admiramos a raça e a capacidade de nunca desistir da equipa azul-celeste. somos todos uruguaios. todos queremos ter uma equipa que luta como nenhuma outra pela vitória. todos queremos um rios incansável a correr no meio-campo, um forlán a fazer brilhar cada bola que lhe passa pelos pés, um suárez que sonha o impossível. somos todos uruguaios. somos sim.
terça-feira, 6 de julho de 2010
pavé
seguem as camisolas coloridas pelo pavé, frança profunda a admirar as máquinas humanas sobre as bicicletas, seguem as camisolas coloridas, furam os pneus, trocam-se as ordens dos favoritos, frança profunda a chorar nas bermas das estradas, seguem as camisolas coloridas, seguem estrada fora.
praia
ficas parado na janela do teu escritório a vê-los partir para a praia. o calor derrete-te a testa em suor, o corpo torna-se pesado, lento, enquanto ficas a vê-los, aos outros, partir para a praia. o verão está aí, mesmo na tua rua, na rua que só usas para ir de casa para o trabalho, enquanto os outros partem para a praia.
amor
há já muito tempo que não escrevo poemas de amor e, penso, não será por amar menos. talvez o amor tenha deixado de fazer sentido nos poemas, talvez os poemas mais apaixonados são aqueles que são escritos sem saber, nem imaginar, que quem os lê pressente ali todo o amor do mundo.
segunda-feira, 5 de julho de 2010
modo de exibição
certas pessoas insistem em viver em "modo de exibição", como as equipas que, fora da época de competição, se exibem perante o público admirador. no entanto, as pessoas exibicionistas, mais do que um grupo de fãs, estão rodeadas por um grupo de conhecidos que está já cansado delas. ainda assim, insistem no "modo de exibição", nunca entrando a sério na competição de serem boas pessoas, bons amigos, companheiros aceitáveis para tardes de domingo. insistem nas figuras. nas figuras que fazem, cada vez mais sozinhos.
ser conhecido
por vezes, tentam-nos vender a ideia de que "ser conhecido" é uma fatalidade. por exemplo, quando nos dizem "mas eu conheço-te", (aquilo está muito bom "mas eu conheço-te"). fico a pensar se, dadas as circunstâncias de pré-existir um historial, nós deveríamos ser sempre bons ou sempre maus, como se a vida fosse uma linha direita e constante, onde não podemos ter melhores e piores momentos. como se isso fosse possível.
domingo, 4 de julho de 2010
razão e emoção
épico, um jogo de quartos-de-final onde num intervalo de cinco minutos existem duas grandes penalidades falhadas, uma para cada lado. épico, um jogo que se disputa, quase exclusivamente, entre as ideias dos seus treinadores, vicente del bosque na linha do que tem sido o futebol da espanha/barcelona nos últimos anos, gerardo martino a colocar em campo a nova tendência sul-americana de pressão a campo inteiro, misturando o que é um jogo irrespirável para o adversário e uma constante aposta na velocidade e no contra-ataque. épico, ainda, na forma como a espanha obtém o seu golo, criando um espaço que não tinha aparecido na defesa adversária e vendo a bola beijando as redes depois de três toques nos postes. épico, também, nas lágrimas revoltadas de cardoso, no fim do jogo. razão e emoção conjugadas no encontro entre espanha e paraguai. jogos em que acabamos por aprender, imenso, sobre a nossa própria vida.
geração alemanha
confesso que não era grande admirador de joachim low. nas suas equipas, apesar de haver uma ideia de futebol que parecia em construção, havia sempre um momento em que essa ideia esbarrava nos jogadores. não deixa, no entanto, de ser um momento de felicidade quando uma ideia encontra uma geração de jogadores capazes de a colocar em campo. com uma defesa com toda a segurança tradicional dos alemães, low baseia o seu jogo no duplo-volante khedira (mais defensor) e schweinsteiger (mais criador), a partir do qual uma linha com muller, ozil e podolski espalha velocidade e perfume, chegando ao ponto de fazer com que klose me pareça, finalmente, um bom ponta-de-lança, capaz de trocar posição e desequilibrar a defensiva adversária. temi, no início do campeonato, por esta equipa onde a juventude impera. mas esqueci-me de que são alemães. alemães felizes e contentes de jogar um futebol disciplinado e inspirado, coerente e ofensivo, romântico na forma de procurar espaços e concreto no momento da finalização. que grande equipa, esta alemanha. que grande equipa.
equipa contra deus
maradona voltará para casa vergado sob o peso de uma inequívoca derrota. na selecção argentina, não falhou nada daquilo em que maradona sempre apostou. a diferença, neste jogo, foi ter que defrontar uma equipa, uma verdadeira equipa. e isso, já se desconfiava, é demais até para um deus como diego armando maradona.
sábado, 3 de julho de 2010
momento
um grande jogo de campeonato do mundo é aquele que reserva um momento que ficará para sempre na história. o uruguai-gana será um desses jogos. minuto 120, exactamente o último do prolongamento. a equipa ganesa tenta desesperadamente o golo, conseguindo, no meio de vários ressaltos, fazer com que a bola se direccione para a baliza. aí, luís suarez, atacante em funções defensivas, atira as duas mãos à bola, evitando a eliminação automática do uruguai. penalti. gyan, marcador habitual das penalidades ganesas, falha o penalti e o gana acaba por ser eliminado no desempate por grandes penalidades. momentos de emoção extrema como estes são desejados por todos os adeptos no mundo (excepto por aqueles que seguem as equipas que estão em jogo). momentos de emoção extrema como estes nunca são esquecidos.
controlo da qualidade
até o melhor fruto pode ser atacado pelo bicho. os holandeses acreditaram nisso até ao fim, encontrando nas fragilidades do brasil a chave para as meias-finais. o controlo da qualidade do adversário é uma das melhores formas de conquistar vitórias no campo de futebol.
boas e más ideias
dunga, infelizmente para todos os brasileiros, é mais um claro exemplo de que, no futebol, as boas e as más ideias convivem, muitas vezes, nas mesmas opções. com a mesma estrutura em campo, o brasil foi, na primeira parte, um espremedor de laranjas que, na segunda parte, acabou espremido contra a sua linha de fundo, incapaz de responder aos ataques dos holandeses, sem soluções para mudar o rumo dos acontecimentos. pensar, no entanto, que o brasil será dos países do mundo onde o universo de escolha é maior, leva-nos a pensar se mesmo as melhores ideias não precisam de opções seguras no banco. não haver extremos velozes, um segundo organizador de jogo, mais um ponta-de-lança com capacidade de movimentação entre centrais é, mesmo, um pecado para o qual dunga não encontrará absolvição.
chamar copperfield
maradona introduziu uma nova expressão no futebol mundial: "chamar copperfield". ficará essa expressão para a eternidade qualificando treinadores que não sabem o que indicar para dentro do relvado. quando a equipa estiver numa situação difícil e algum dos jogadores pedir indicações para mudar as coisas, o treinador poderá invocar a cláusula "chamar copperfield", responsabilizando, assim, o jogador daquilo que se seguir.
sexta-feira, 2 de julho de 2010
eu e os outros
eu também sei citar gajos que escrevem em inglês. bill simmons e uma excelente visão do campeonato do mundo visto na américa.
é bom
o bom de um mundial de futebol é estarmos sempre a voltar aos lugares onde fomos felizes. seja um jogo da coreia do sul, um golo do japão, uma equipa africana a avançar nas diversas rondas do campeonato. o mesmo bom de um mundial de futebol é o facto de não guardarmos mágoas nesse regresso, cada oitavos ou quartos de final é também, sempre, um lugar novo, onde outras equipas e outros jogadores nos marcarão o dia para sempre no calendário da memória. é isso que é bom.
emplastro
o rui malheiro é o emplastro virtual deste mundial. todas as noites é vê-lo na rtp n, a aparecer no chat do facebook do álvaro costa, em directo para o mundo. e assim se descobre que o emplastro, mais do que ser filho do pinto da costa, é, na verdade, o rapaz que sussurra as análises certeiras dos jornalistas em reportagem nos estádios do país. um sonho tornado realidade.
saber do assunto de estruturas
maneiras diferentes de ver o jogo levam-nos a tirar conclusões diferentes do que se passa em campo. ao ver a transmissão televisiva do jogo portugal-espanha, temos a sensação de que os três jogadores na frente de ataque portuguesa estiveram sempre distraídos e afastados do jogo. mas, vendo parte do jogo através da câmara que seguiu cristiano ronaldo, vemos o jogador a dar indicações aos seus colegas, a pedir ao treinador para alterar a forma de jogar da selecção, a lutar por bolas que insistiam em fugir-lhe dos pés. são jogos diferentes. um deles, onde está a bola, a sugerir-nos um problema dos jogadores. outro, onde a bola não está, a mostrar-nos que o problema é outro, é um problema de estrutura. chegar aqui para dizer que quem defende queirós pela sua importância na estrutura do futebol português esquece que, na maior parte do tempo, a estrutura do futebol se joga em campo. podemos organizar selecções, chamar treinadores, incentivar esta ou aquela alteração no quadro competitivo das equipas de formação. mas manter uma estrutura com onze atletas num rectângulo de relva, é coisa para quem sabe do assunto. é isso que esperamos. que quem saiba do assunto apareça.
quinta-feira, 1 de julho de 2010
"um pouco tristes"
um dos deputados da assembleia nacional francesa classificou as declarações de domenech, perante os deputados, como "um pouco tristes". é sempre assim, quando se tenta explicar uma derrota. dificilmente nos vale alguma coisa ter razão depois do tempo, defender decisões que não correram bem, culpar outros que não nós próprios. parecemos e ficamos "um pouco tristes". sem nada o que dizer.
o que falta
sobram agora oito equipas na disputa deste mundial. as primeiras a entrar em campo para os quartos-de-final serão brasil e holanda. é um jogo de sonho para os admiradores deste desporto, um jogo que, normalmente, cai para o lado dos brasileiros. este ano, os holandeses voltam a apresentar um meio-campo cheio de estrelas, que embaterá violentamente na betonada defesa brasileira. a tradição será, provavelmente, mais forte. mas a curiosidade e a expectativa são altas. depois, gana e uruguai, duas surpresas para esta fase da prova. ambas as equipas tentarão chegar a uma inesperada meia-final. são duas equipas que se esforçam por não cometer erros, que aproveitam bem os deslizes adversários, que sonham com o impossível. quem errar acabará pelo caminho. espera-se um jogo de prudência. no sábado, alemanha e argentina disputam o que é mais um encontro histórico de mundiais. a argentina alicerça-se na união de um grupo à volta de um ídolo (santo maradona), a alemanha tem a força e a rebeldia de uma juventude que se sente fadada para o sucesso. deste jogo sairá o mais forte candidato à conquista do título, ajudado pela confiança de bater um outro forte candidato. para finalizar esta fase, um espanha-paraguai que todos esperam que seja um passeio no parque para os espanhóis. ao paraguai caberá desfrutar desta presença em tão adiantada fase da competição, tentando não cometer erros e apostando na velocidade e ferocidade da sua frente atacante. se isso chegará para fazer mossa aos espanhóis, é coisa que esperaremos para ver. a bola vai voltar a rolar.
contas
nesta casa, não temos dúvidas quando estamos perante grandes senhores do futebol. e um desses senhores é josé mourinho. o homem que agora é treinador do real madrid, no dia em que um coro de vozes veio a terreiro acusar cristiano ronaldo disto e daquilo, resumiu o próximo ano numa frase muito simples: "não deixarei que ninguém coloque sobre ele toda a responsabilidade de uma equipa". os dados estão lançados para termos o melhor ronaldo muito em breve. mas será bom não esquecer uma coisa: com fernando santos, com fergunson, com scolari, com pellegrini, cristiano ronaldo foi sempre dos jogadores mais produtivos da sua equipa, tendo por isso recebido ganho inúmeros títulos e recebido imensos prémios. com carlos queirós, cristiano ronaldo é uma sombra. acho que é muito simples fazer esta conta.
sem futebol
primeiro dia do mundial sem futebol, tens a possibilidade de voltar a viver como se tudo fosse o que sempre é, dia atrás de dia igual aos outros, correrias sem bola pelas ruas da cidade, as caras do costume sem um penalti que comentar, o café sem o cheiro da relva, as sete e meia da tarde serem uma hora igual às outras. mundial sem futebol. à espera que comece o próximo jogo.
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