eles nunca chegam, na verdade, eles sempre lá estiveram, no mesmo sítio, de onde tudo se vê na perfeição incompleta dos seus olhos curvos. não diria que têm palas, como animais, eles são dos mais selectivos dos seres humanos. ficam calados lá do alto, a ver pelos seus olhos-binoculares tudo o que fazemos. depois, depois apenas sentimos o frio das tesouras rente à pele, as casacas desfeitas. depois, depois apenas percebemos que para além dos olhares que sempre lá estiveram, outros se somam, mais tímidos, mas igualmente cortantes. eles nunca chegam, não, eles sempre lá estiveram, no mesmo sítio. depois, depois nós continuamos como sempre. perseguidos e desentendidos das coisas da vida. apenas sentimos nas costas aquele ligeiro incómodo da lâmina que se crava no corpo. no nosso corpo.
* fotografia de maria flores e josé de almeida, "os corta-casacas"