terça-feira, 30 de junho de 2009
exagerado
vão-me também dizer, fogo de artifício do orçamento da cultura, isso então, está mesmo mal contado. pois procurem nos orçamentos da cultura da vossa autarquia e tentem perceber, quanto vai para festas e quanto vai para projectos que nos garantam um real crescimento cultural. se não quiserem dar-se a tal trabalho, podem sempre dizer que sou eu que exagero.
ricos e pobres
vão-me dizer, essa história de ricos e pobres está mal contada. pois. ontem foram divulgados resultados de um estudo que anunciam que 50% das famílias portuguesas vivem com um orçamento abaixo dos 900 euros. portanto, quando falo de pobres, não falo das camadas desfavorecidas da sociedade, que nunca tiveram acesso a nada. falo de um em cada dois de nós. se não estiver nos 50% acima referidos, só tem que olhar para o lado.
cultura
se para o país, rui rio é o gajo que enfrentou pinto da costa e deu alguma seriedade à liderança da câmara do porto, para uma parte do porto, rui rio é o gajo que, sob o signo das boas contas e da iniciativa privada, não se importa com o facto de estar a desfazer tudo o que é espaço público para que os privados o possam explorar devidamente. na teoria, para muitos, parecerá certo. mas, na realidade, esta tendência de gestão autárquica, que me parece não ser exclusiva do porto, levará a que, sendo rico, se tenha acesso a tudo, não o sendo, espera-se pelo fogo de artifício. e para isso haverá sempre dinheiro. do orçamento da cultura, claro.
segunda-feira, 29 de junho de 2009
colher
"ser colhido", o verbo utilizado pelo maquinista, deixou, no entanto, algumas dúvidas a quem seguia dentro do comboio. se do lado dos cínicos foi notório o esforço do anunciante para se referir ao suicida, do lado dos crentes, lamentou-se o azar do homem como quem se lamenta de um atropelamento de um cão.
maquinista
a primeira coisa que passou pela cabeça do maquinista foi "outro cabrão que não tem onde ir cair morto". este ano foi já o terceiro que se colocou assim, entre a máquina e a estação. ao maquinista não interessava propriamente o cumprimento dos horários (os chefes dele que se preocupassem com isso). o que o maquinista não gostava era de ter que se referir àquela morte de uma forma suave e aparentemente preocupada.
suicida
"a composição interrompeu a circulação devido ao facto de um indivíduo ter sido colhido junto ao apeadeiro. seguiremos em marcha lenta até à estação". foi desta forma subtil que o maquinista anunciou a suicídio de alberto f. alberto f. tinha 47 anos, não deixa mulher nem filhos, apenas umas quantas camisas e um par de calças quase novo, num saco, no apeadeiro. não se sabe grande coisa sobre ele. apenas que atrasou o comboio.
sábado, 27 de junho de 2009
papel
pode ter-se esquecido do desodorizante, de uma camisa clara que fique bem com o casaco, do chapéu para o sol, mas isso só notará quando chegar ao destino. entretanto, colocou no saco o livro que anda a ler e mais outro, aconchegados entre dois cadernos. mas como a viagem de comboio se adivinha longa, mais um livro foi comprado pelo caminho, e dois jornais, dois. leva, na bagagem, mais papel que outra coisa. haveriam de estranhar, se soubessem, aqueles que com ele viajam.
duas caras
não acreditava que a mulher podia ter duas caras. uma que usava quando a via passar pela rua, outra quando, finalmente, lhe dirigiu a palavra. talvez tivesse ainda mais caras. três, quatro, cinco. caras que apareceriam noutras situações. de futuro, talvez já não fosse tão grande a surpresa. mas o momento em que se apercebeu que a mulher tinha duas caras, não acreditou. e deixou-se levar por esse pensamento, para muito muito longe da mesa de café onde estava.
(apetece-me dizer palavras cabeludas)
não sabia (mas sabia), não intervia (mas interviu), afinal um gajo é primeiro-ministro para quê?
sexta-feira, 26 de junho de 2009
moonwalking
porque o jackson fica vivo na voz, nos passos de dança, na atitude. rei da pop. mais que isso. o homem que transformou a música de negros em música de toda a gente. e por isso ele é o rei. os reis são aqueles que transformam coisas pequenas em coisas grandiosas. foi ele. e tal como zeca, aqui de torres, milhares continuarão a fazer o moonwalking, até à eternidade.
um homem
um homem: cavaco silva quer transparência - em tudo o que ele possa apontar (não pode apontar para ele próprio, perdeu, há muito, a articulação nos cotovelos). o que precisa ele de saber quanto a justificações de negócios entre empresas? (é dinheiro!) o que precisa ele de saber quanto ao interesse da portugal telecom na tvi? (é dinheiro!) quem é que ele quer enganar com estas conversas da treta?
quinta-feira, 25 de junho de 2009
ainda isto
de resto, é, habitualmente, a ideia contrária que está associada à poesia, uma tremenda falta de colhões. o poeta é visto como uma existência lateral da masculinidade, chorosa e sensível, incapaz de tomar com fúria e convicção o sonho de que é refém. e é contra isso que pavese luta: contra esse homem fraco que se perde entre papéis e devaneios, que acumula no seu corpo apenas as frustrações constantes da sua própria incapacidade. assim, escreve: "os grandes poetas são raros como os grandes amantes". e o grande amante não é aquele que tenta subir pelo escadote até ao telhado dos corações das mulheres. é também ele o furioso amante que, morto o poeta fraco e o amante-só-garganta, tem colhões.
olhar olímpico
os mais preocupados com estas coisas das palavras, estou certo, ficaram a pensar porque é que no lugar de colhões, não preferi eu a expressão olhar olímpico. corrijo, então: olhar olímpico é seguramente uma expressão exacta da magnanimidade que a ideia procura. mas nem o mais forte olhar olímpico consegue demonstrar a necessidade de ter colhões. é toda uma filosofia que se repercute nesta ideia: ter colhões.
colhões
e às tantas páginas do ofício de viver, algures no ano de 1937, pavese escreve: "os grandes poetas são raros como os grandes amantes. não bastam as veleidades, as fúrias e os sonhos; é preciso melhor: ter colhões. aquilo a que se chama também o olhar olímpico". primeiro, estarreço. ficam-me os colhões a ecoar na cabeça. e descubro, no meio da náusea, a possibilidade da utilização da palavra colhões como recurso poético. colhões. sim, é isso mesmo.
quarta-feira, 24 de junho de 2009
anti-popper em torres vedras
no entanto, combato a lógica (ah, o que eu gosto desta frase, "combater a lógica"). o tom da pele, a cor dos olhos, decido, aleatoriamente, não é de cá. para ler popper, com este olhar, não pode ser de cá. quem, depois de mim, me poderá vir refutar?
popperiana
uma jovem de olhar misterioso passou pela porta da biblioteca. quando voltei a pousar os olhos no jornal de letras, pensei que esta cidade está cheia de jovens de olhares misteriosos que não sabem ler. mesmo as que frequentam bibliotecas. mas quando me cruzei de novo com ela, trazia uma antologia de textos de karl popper debaixo do braço. como quem diz que toda a observação deverá ser racionalizada.
arma
a 24 de junho de 1994 a polícia de choque avançava contra um grupo de cidadãos automobilizados que bloqueavam a entrada na ponte sobre o tejo. nos gabinetes, o governo de cavaco silva tremia. entre buzinões e chuvas de pedras em direcção à polícia, uma bala tornou um jovem tetraplégico. passados quinze anos, continuamos a queixar-nos dos políticos, dos que mandam, dos que não olham nem fazem nada por nós. mas sabemos a medida. vozes levantadas, buzinões, pedras, fazem-nos tremer. votos tiram-nos de lá. é fácil. basta usar.
terça-feira, 23 de junho de 2009
situação mais infeliz
toda a gente conhecia o bruno. era um bom rapaz. mas metia-se demais na vida dos outros, isso também era coisa que facilmente podia ser comprovada. toda a gente diria o mesmo. agora, que dessem cabo dele com um tiro à queima-roupa era já inesperado. o assassino não teve sorte. antes de disparar o bruno cravou-lhe uma faca no braço e ficou a marca do sangue pelo chão. qualquer coisa como deixar um bilhete de identidade no local do crime.
situação mais
a vizinha veio à janela espreitar, deixando, sentado à mesa, um homem que a visitava amiúde. ninguém sabia quem ele era. vinhas às quartas ou quintas-feira, vestia bem, deixava um cheiro de perfume no elevador. quando ela veio à janela, ele pegou numa das facas que estava na mesa da cozinha e guardou-a no bolso do casaco.
segunda-feira, 22 de junho de 2009
adolescentes
aprendemos a gerir os silêncios com a idade. vai-se tornando, cada vez mais, confortável. no entanto, até o mais velho ser humano tem, por momentos, resquícios de pânicos adolescentes.
sexta-feira, 19 de junho de 2009
estação
todos os dias entrava no saldanha e saía na cidade universitária. algumas vezes encontrava o j. que, ao passar entre campos logo se punha de pé enquanto eu olhava para ele e dizia, calma, ser a estação a seguir não significa que seja a estação agora.
letras
havia aquele jogo das letras - abcdefghijlmn - stop! nomes começados por n, árvores começadas por n, cidades começados por n, países começados por n, marcas começadas por n, tudo começado por n, discussões infindas sobre se existe ou não existe aquilo que começou por n apenas na nossa cabeça, tardes inteiras assim.
quinta-feira, 18 de junho de 2009
morte
sonhava com a morte dos seus entes mais queridos e esses sonhos magoavam-no, faziam-no sentir errado e injusto. foi o primeiro a morrer, na sua família. depois da morte percebeu que ia ter de ficar ali, a ver os seus entes mais queridos morrer, sem poder dizer ou sentir nada.
literatura
já para basté de linyola, presidente do f.c.barcelona no livro el delantero centro fue asesinado al atardecer, de vázques montalbán, "vivir literariamente es muy peligroso y ha destruido incluso a excelentes escritores". a quem o dizes, a quem o dizes.
produto
recebi uma carta de um editor que terminava com "a poesia tem que se reinventar como produto". julgo não ter percebido bem. produto? o amor tem que se reinventar como produto, a vida tem que se reinventar como produto, os afectos, a respiração, o olhar, o toque. numa sociedade que pensa em tudo como produto, eu não quero viver.
quarta-feira, 17 de junho de 2009
dizem que não sabiam quem era
dizemos coisas uns aos outros, condenamo-nos muitas vezes. estamos mais prontos para atirar a matar do que para perceber o nosso corpo. há muito quem não tenha os olhos fechados. quem não engula sapos. era só isso. até amanhã.
investimento
quem também acredita em inocências é o cavaco. diz ele que é preciso ter cuidado com os investimentos que se fazem. pois é. principalmente quando não temos amigos na administração de bancos que não estão cotados em bolsa.
inocência
o vieira acha agora que o problema é o quique não ser português. não foi ele a ir buscá-lo (nem ao trapatoni, ao koeman, ao camacho) nem nada. faz-me lembrar as sábias palavras de vázquez montalbán, quando disse que "contratar o schuster para o real madrid era como se a irmã de primo rivera casasse com hitler". ou seja, esta coisa das nacionalidades e dos clubes de futebol não são coisas inocentes.
terça-feira, 16 de junho de 2009
três por três
na terceira parte, já foram esquecidos os gestos violentos, a raiva, a ignorância, a ilusão. na terceira parte, sobram corpos e almas doridas, alguma mágoa, a sensação de que é impossível resolver, agora, o que ficou fechado anteriormente. e sobre isso que trabalhamos. afinal, a terceira parte, é só a vida como ela é.
três vezes
pareço assim entrar em contradição com manguel, que anuncia a forma modesta como se apresentam as terceiras partes. mas se ao primeiro momento se anuncia as intenções (e quão promissoras elas parecem ser quando nos sentimos livres), ao segundo se encontra o caminho de confirmar e reinventar essas primeiras impressões, o terceiro momento parece ser aquele em que se espera a eclosão do construído. sim, gosto de explosões. isto já não tem nada a ver com livros.
três
"as trilogias parecem aspirar a algo mais que integridade e a algo menos que o infinito", argumenta alberto manguel num artigo de babelia. gostamos das coisas assim divididas, os leitores, não propriamente para que nos facilite o seu transporte, mas porque a divisão dos actos os torna mais fortes.
segunda-feira, 15 de junho de 2009
foge, foge e o bandido
pois é, jorge, ele tem razão. "ninguém é quem queria ser". mas algum de nós queria ser alguém que não nós?
filosofia
duas meninas bonitas conversam entre si na casa de uma delas, numa reportagem televisiva. a menina repórter comenta que "com uma cama tão confortável, não te faz falta aqui uma televisão para veres enquanto adormeces?". e a outra, esgueirando-se à oportunidade de ter uma resposta inteligente, vai deslocar a televisão da sala que se consegue ver da cama. toda uma filosofia, aos domingos, depois de almoço.
primeiro
tenho uma certa nostalgia do tempo em que não havia grandes entusiasmos por primeiros livros ou primeiros discos mesmo antes de serem lançados. nostalgia de um tempo em que as coisas surgiam silenciosamente, com tempo para serem descobertas, saboreadas, e então sim, fazer com que a expectativa nascesse para o próximo trabalho. agora, há tanto falatório à volta do que não existe que, quando finalmente começa a existir, já o fogacho se começa a extinguir...
sábado, 13 de junho de 2009
aperto de mão
ele chegou e disse que era meu primo. cumprimentou toda a gente que me rodeava, comentando, este não vi (aperto de mão), este não vi (aperto de mão), este não vi (aperto de mão). quando chegou a um que já tinha visto, este já vi, aperto na mesma (aperto de mão).
sardinha
o santo antónio do varatojo estava cheio de gente. não por acreditarem no santo. mais pelo arraial, pelas sardinhas, pelo vinho. tanto era assim que, muito cedo, esgotaram mais de 100 kg de sardinhas. havia quem barafustasse, uma tristeza parecia enovoar a noite limpa e cheia de música. o santo acredita, mas a sardinha não chegou.
antóino
diz a cantiga popular, "volta pra trás antóino, que a virgem não está em casa, santo antóino, por ser santo, para trás não voltava". o homem acreditava. mas apenas por ser santo (é o que me parece). quando chegou a belém, a virgem abriu-lhe a porta. afinal estava. estava porque sabia que ele ia chegar. o homem acreditava.
sexta-feira, 12 de junho de 2009
espanha
a cabeça debaixo da almofada enquanto na rádio se anuncia uma compra de milhões entre os dois maiores clubes do mundo. a cabeça debaixo da almofada e uma sucessão de feriados a fazerem-se fim-de-semana a meio da semana. o rapaz que vai para espanha, o dinheiro que corre de um lado ao outro. a cabeça debaixo da almofada.
terça-feira, 9 de junho de 2009
cabeça
pela cara cresciam os pelos da barba, os olhos chorosos, as mãos grandes e secas, a pele a cair, lá fora o vento, a chuva, o mar como que trovoada, inventaram agora os dias e as horas, soubesse eu escrever, manhãs, crescendo lá fora as árvores, é delas o vento, este estrondo, os pés que descem a escada, a cabeça, a cabeça, a cabeça.
acordar
acordar a sonhar grande, uma dor de costas, devagar, acordar a ligar as pequenas peças do mundo, os sons, os olhares, os gestos, lento, as costas, acordar a lapidar diamantes, a ver as ruínas de pompeia, a falar para as paredes, a sentar-te na casa de banho, acordar com os pés num continente, a cabeça nas estrelas, acordar, acordar.
segunda-feira, 8 de junho de 2009
sondagem
a verdade é que vivemos num país ficcionado. em que os vencedores têm apenas pequenas razões para festejar e os derrotados, pela primeira vez, pareciam ter que enfrentar algo para o que não estavam preparados. a verdade é que até nas sondagens à boca das urnas as pessoas ficcionam. depois de terem colocado o boletim na urna podem dizer o que lhes apetecer. foi o que disse o presidente da república. não foi?
banda
em castanheira do vouga aconteceu o único boicote eleitoral. pelas dez horas da manhã, o presidente da junta dizia que tinha sido o povo. à gnr e ao governo civil, pareceu-lhe ser apenas uma porta trancada. tudo isto porque a freguesia de castanheira do vouga não dispõe de internet de banda larga. um gajo leva todos os dias com a publicidade do sapo e do meo na televisão e depois não tem banda larga. o povo protestou. à gnr e ao governo civil, pareceu-lhe ser apenas uma porta trancada. um gnr deu um pontapé na porta e o povo votou. siga a banda.
desmontagem
durante a noite eleitoral de ontem, transmitiu-se, pela primeira vez, em directo a desmontagem de um palanque, no caso, o do partido socialista, montado no hotel altis. certas mensagens, por muito que não sejam ditas, têm formas subtis e universais de serem demonstradas. esta escolha da realização da sic, sabem bem que assim é.
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