quinta-feira, 15 de outubro de 2009
o médico
só um médico saído dos livros de vila-matas pode falar assim. eram quatro e meia da manhã, ela entra de rompante pela sala de espera das urgências e diz em voz pausada, "familiares de rosa conceição". mais tarde, ao ser atendido por ele, pude perceber a minha desconfiança. analisou-me, apenas, com o olhar e com algumas perguntas. escreveu imenso no computador, enquanto eu estava deitado na marquesa, certamente um e-mail para algum hospital psiquiátrico em genéve. adivinhou (pois) uma lesão lombar só com o olhar e enganou-se no tratamento que me diagnosticou. passados menos de vinte minutos, entra na sala onde estou a tratamento e pergunta, a sorrir, se já estou curado. pois! (parte dois). deixa-me a sofrer dores intensas até de manhã, quando volta a entrar na sala e só faz um sorriso impotente perante a minha dor. pelo penteado dir-se-á que não terá dormido, apenas continuado a ler, ferozmente, cartas escritas por colegas do estrangeiro. tinha um sotaque estranho, poderia ser castelhano, poderia ser de outra qualquer origem. depois das nove da manhã desapareceu sem deixar rasto, e dos seus quinze doentes apenas deu nota à médica que o substituiu de três deles, aqueles que lhe pareceram as melhores para os personagens do romance que anda a escrever. dois homens estranhos, vestidos de preto, procuraram-no no hospital durante o turno seguinte, mas, por estranho que pareça, ali ninguém reconhecia, sequer, o nome dele.